Por Laurens Vancrevel
O poeta brasileiro Floriano Martins iniciou o projeto ambicioso para descrever a atual presença do surrealismo nas Américas, do Norte e do Sul, e para elaborar um esboço das particularidades das diferentes casas surrealistas neste vasto arquipélago que são os países da América, divididos fronteiras e diferentes tradições coloniais e culturais. O livro resulta imponente, Um novo continente [Un continent noveau] não é uma obra enciclopédica, por exemplo, como Caleidoscópio Surrealista de Miguel Corrales (veja Infosurr # 101), mas sim uma exploração instantânea do que vários surrealistas em diferentes países americanos, muitas vezes muito isolados uns dos outros, pensam sobre a atualidade do surrealismo em seu contexto específico. O livro consiste em cinco seções temáticas.
Na primeira parte, Martins propõe uma análise pessoal sobre as concepções surrealistas presentes na América hispânica e no Caribe, depois no Brasil e nos EUA, indicando as características particulares. Também descreve o mal-entendido e o ódio que o surrealismo encontrou. Ele os atribui em parte aos preconceitos dos povos das Américas contra as influências de seus antigos colonizadores; o fato de o surrealismo ser um movimento de origem francesa era frequentemente considerado motivo para condená-lo. A igreja conservadora também foi sempre uma barreira contra qualquer ideia surrealista.
A segunda parte trata de questões que têm um significado central para todos aqueles que abraçaram o surrealismo: a importância da poesia, das obrigações de natureza moral e artística do surrealismo, atualizando diferentes ambições do surrealismo histórico, afinidades entre os poetas das Américas e os surrealistas de outros países, assim como as notícias do surrealismo no mundo de hoje. Respondentes (Alex Januário, Allan Graubard, David Nadeau, Enrique Santiago, Fernando Palenzuela, J. Bogartte Karl, Ludwig Zeller, Rodrigo Verdugo, Zuca Sardan e outros) acreditam que o Surrealismo está bem vivo e vital na atualidade das Américas. Graubard acredita que o surrealismo é tão relevante agora como no século passado e que tem a grande vantagem de ter uma história rica que oferece muitas perspectivas. Enrique de Santiago salientou que o surrealismo agora se encontra mais difundido no mundo do que nunca, e os protestos surrealistas contra a destruição do sistema ecológico são de primordial importância.
A terceira parte do livro reúne 13 ensaios de diferentes autores sobre os faróis do surrealismo nas Américas. Estes incluem Jorge Cáceres, Jorge Camacho, Laurence Weisberg, Enrique Molina e Philip Lamantia. A quarta seção reúne entrevistas de Martins com catorze surrealistas, como Enrique Gómez-Correa, Susana Wald e Ludwig Zeller, Beatriz Hausner, Allan Graubard.
A última parte trata da vanguarda clandestina nas Américas, que se manifestou na maioria dos países deste Novo Mundo. Essas contraculturas eram muitas vezes inspiradas por concepções surrealistas, sem, no entanto, fingirem ou quererem ser movimentos surrealistas propriamente ditos. Martins acha, no entanto, que esses grupos de vanguarda devem ser levados em consideração se dermos uma olhada no surrealismo nas Américas. Ele considera que essas tendências vizinhas também marcam a vitalidade do surrealismo como uma visão do mundo que se afasta da sabedoria convencional. Ou pode-se duvidar da relevância de estender o campo do estudo do surrealismo a essas vanguardas que não se consideram explicitamente surrealistas, porque isso inevitavelmente leva à confusão. André Breton teve o privilégio de declarar vários poetas e artistas surrealistas do passado, que não podiam admitir essa qualidade, porque o conceito simplesmente não existia em sua vida. Mas é absolutamente desaconselhável chamar artistas ou movimentos surrealistas depois de 1924, contra sua vontade ou sem que eles tenham aceitado esse nome.
Um novo continente, de Floriano Martins, é certamente um livro importante, ainda que às vezes seja um pouco provocativo. Está repleto de visões originais de um continente que deixou de ser periférico à evolução do surrealismo.
O crítico observa: “Também descreve o mal-entendido e o ódio que o surrealismo encontrou. Ele os atribui em parte aos preconceitos dos povos das Américas contra as influências de seus antigos colonizadores; o fato de o surrealismo ser um movimento de origem francesa era frequentemente considerado motivo para condená-lo.” Em momento algum em meu livro eu digo isto. O que trato de ressalvar não tem a ver com preconceito ou condenação. É fato que os países americanos queriam fundar seus próprios movimentos artísticos, independentes do velho continente. De modo que os diversos “ismos” eram vistos com certa cautela, uma cautela estratégica e não preconceituosa. [Floriano Martins]