3 Poemas de Fernando Arrabal (Espanha, 1932)

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Apresentação de Floriano Martins e tradução de Leda Rita Cintra.

Fernando Arrabal (Espanha, 1932) é uma das mais fecundas encarnações do teatro, da poesia e da narrativa, sendo profundamente feliz ainda na realização de ensaios, filmes, óperas, colagens e desenhos. Obra vastíssima e dotada de uma valiosa reiteração que é tão fecunda e diversa que suas vozes se repercutem por todo o planeta em singular multiplicidade. Obra que é também o magma caudaloso de sua própria existência, lugar sagrado em que Fernando Arrabal retrata a intensidade de sua própria vida e sua visão de mundo. Os três poemas aqui reunidos foram traduzidos por Leda Rita Cintra, editora e diretora da Editora Cintra. Em coleção compartilhada com ARC Edições, as duas casas têm em preparo o volume O quinteto impensável, organizado e traduzido por Floriano Martins, que reúne cinco peças de Fernando Arrabal.


HINO AO TEATRO

Com que vertigem
o teatro nos leva
para o périplo
da alucinação

Atravessando
labirintos
ao som das mais
vibrantes traviattas

Em cenas
exponenciais
multiplicadas
instantaneamente
graças ao filho de Dumas
o pai das camélias

Com que cenário
Sobre as galáxias de Rostand
e as Ofélias de Hamlet
se elevam até o céu
ao som das claquetes
d’Offenbach
entre pânico e fragmentos

Impossível de tudo ver
tudo desfila com grande
rapidez
sobre a cena de Tchekhov
ou sob o microscópio
de Feydeau
que ri
escancaradamente

Pedras mais do que
preciosas
e espelhos
de borracha
saltam sobre a lua
caleidoscópios
de rinocerontes
se abrem para os solitários de
Ionesco
nos zoos de Edward Albee

Anjos humanos
murmuram perto de
nós
Os surdos de seus címbalos
tocam a sinfonia do
Éden de Claudel a Courteline

A poesia viaja
conosco?
Sobre ou sob?
Atrás de nós ou ao nosso lado?
Acima ou abaixo?
Transversalmente?
Ou arrabalaicamente?
De Vigny a Marivaux

Ela nos segue um
segundo
depois se afasta
inexoravelmente
Nós sonhamos muito
felizes
montados em uma chuva de
meteoritos
De Labiche a Bertold Brecht

O caminho se precipita
Com o palco e
seus acessórios
a cavaleiro
sobre Strindberg
Somos prisioneiros no turbilhão
sem conseguir nos reerguermos
De Dario Fo a Eurípedes

Aristófanes e Anouilh
Quais raios supersônicos
surgem cores ocultas
prisioneiras de sua loucura

Todos nós nos abraçaremos
No mais profundo do firmamento
Entre cataratas de areia
De Beckett a Pirandello

Retorcendo-se francamente de tanto rir
Feydeau & Victor Hugo
Dalí & Pablo Picasso
roubam a bordo de um foguete
sua perfusão de oxigênio
fixada na ponta dos seus narizes

Nós rimos com os serafins
De Vaché a Alfred Jarry
Os patafísicos do coro
do mais moderno dos colégios
cantam tão forte
que podemos mastigar
o eco de Arthur Miller

Nós mesmos aparecemos
E desaparecemos
Sem conseguir reconhecer
Nem Ésquilo nem Cocteau

Deus nos engole e nos cospe
Sob seu gorro de carnaval
Para nossos veículos supersônicos
Nós nos assentamos em sua mão
E na de Henrik Ibsen

Vai acontecer alguma coisa
ainda mais prodigiosa
quando uma voz
murmura docemente:
– Fernando Arrabal, como vai?
Eu reconheço o Teatro
e eu aterrisso
Ou eu sonhava?


PORCO SAGRADO!

para Maxime Godard

Entre todos os prodígios da divina
criação
o que menos o satisfaz
é ele próprio

Quanto mais ele se reconhece, menos se admira
Ele acredita que em seu nascimento
Deus aprontou com ele uma terrível maldade

Ele se recusa à essência por puro sacrifício
e se segura apenas pela substância
Tudo se conjura para emporcalhar sua imagem
e perfumar sua imolação de mau cheiro

Que bode expiatório
tão empanturrado de conformismo!


REQUIEM PARA A MORTE DE DEUS

Deus morreu, ou foram os deuses
A quem se endereça minha prece?
É preciso renunciar aos deuses?

A terra está vazia e o céu oco
antes povoados por tantas festas
num tempo em que éramos felizes
quando os deuses dançavam sobre nossas cabeças

Zeus parou de nos
perseguir
com sua cólera e sua fúria
Nosso ouro transformou-se em cobre
e o mármore foi reduzido a pó

Jeová não fala mais conosco
sobre o Sinai deserto
e nada mais resta do que infernais palus
O que fazer da nossa liberdade?

Cristo desceu da cruz
Não se eleva mais nos céus
eu não posso dizer – eu creio
inocente como nossos ancestrais

Eu gostaria no fundo dos bosques
de celebrar cultos estranhos
agora que o vinho que eu bebo
não é aquele de nossas vinhas

Pan alegre quando você voltará
a tocar sua flauta encantada?
Entretanto o eco fica teimoso
no ar que você assombrou

Escondido nas folhas frondosas
na hora em que os pastores dormem
você sonhava festivas estações
e pesadas uvas das parreiras

Você espantava as tropas
perturbando ninfas e carneiros
bufão desprovido de ouropéis
você amava as pernas ligeiras

Nas tardes do verão
você espreitava o ardente caprino
que em estado de embriaguez
Eros se apressava a solicitar

Sátiros, faunos e silvanos
caprinos dos pés aos cornos
bifurcados
nossos esforços se tornaram vãos
para orar suas sombras decaídas

A quem então endereçar nossas
lamúrias?
Os louros dos bosques estão
cortados
Nada mais de liturgias, de santos
nada mais de fadas, de anjos
aglomerados

Nada mais de serafins em êxtase
Nada mais de auréolas nem de incensos
Nada mais de Mercúrio e seu espetáculo
Nada mais de deus que veríamos
dançando

Voltaremos para
Zoroastro
nossos votos inalcançados
se no céu nenhum outro astro
nos permite
nos alçarmos?

Nitchevo, nada, Frederico
Nietzsche
nem mesmo o eterno retorno
jamais me tornará rico
do ouro do imortal amor

Acabou!!!!!!

profitez-en!!

1 comentário em “3 Poemas de Fernando Arrabal (Espanha, 1932)”

  1. Caro tradutor,
    gostaria de publicar uma plaquete com essas traduções de Arrabal pela Galileu edições.
    veja nossas publicações no instagram galileuedições.
    se quiser me contactar para a gente ver isso, meu email é: [email protected]

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