Tradução de Floriano Martins
Lea Nagy é uma jovem poetisa húngara nascida em 2000 em Budapeste. Autora de dois livros, Kõhullás e Légörvény, ambos publicados pelas Edições Napkút, ela foi premiada em seu país, em 2018, como autora revelação. Um terceiro livro está em preparação em húngaro, assim como um primeiro livro em francês, este pelas Editions du Cygne em Paris.
EM PONTO
em um longo casaco marrom
às nove e quarenta em ponto
me esperas no estacionamento, como sempre
eu entro em teu carro
me dás um cigarro
a tua mão está tremendo
estás tremendo
às nove e cinquenta em ponto
aceito
e começamos.
[OS FURIOSOS E OS LOUCOS]
Os furiosos e os loucos
não temos mais ar
a pressão é muito grande
eu te digo que faças
novamente
que dirijas mais rápido
passe à frente
um vácuo
espaço vazio
mal sentimos as pontas de nossos dedos
apenas a dormência nos lábios
corremos furiosos
como tolos entorpecidos
o assobio furioso do telefone
como a dor de uma máquina gritando
ressonâncias distantes no ouvido
o gosto de sangue
memória de um piano e uma cabine sufocante
o sangue nos lençóis
que vai circulando entre as folhas que caem das árvores
nosso nível de serotonina segue na mesma direção
do que está em ti
incluindo a tua pele sequer me desafia
no entanto, é apenas através disso que eu te exploro
que sentes que ao mesmo tempo Deus existe
e não existe
que o homem não é mais um animal
mas igual
aos animais estão furiosos
e loucos
O PIANO
Em tua sala havia
um piano cor de osso.
No tédio nos apertávamos
em uma tecla.
Estávamos cantando um pouco.
Te lembras?
Já sabes, para que
algo encha o teu
apartamento alugado em Buda,
recupere seu silêncio mofado.
Nesse momento
os dois ainda éramos bonitos.
Foi no outono.
Eu te via cada vez menos.
Não podia dormir.
Nem agora.