Pedro Mir (República Dominicana, 1913-2000)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Como um homem pode dizer que ama uma planta? Suponhamos que houvesse um homem que se enamorasse de uma mata de pinheiros, bem, se o dissesse a outra pessoa certamente pensar-se-ia que ele estava doente da mente, os homens não se enamoram das matas, mas sim das mulheres, porque é uma atividade reprodutora etc. etc., porém ele pode ter suas razões que não podem ser explicadas racionalmente, mas sim através de outros mecanismos da alma humana. Então provavelmente a poesia pode ser o melhor sistema para comunicar isso que ele não pode comunicar de nenhuma maneira por meio da linguagem, o mesmo se passando com todas as artes, todas as formas de comunicação são competentes em uma situação e incompetentes em outras. Cada uma dessas outras formas acerca das quais esta é incompetente é suprida por uma das demais e esse é o movimento da comunicação humana, essa é uma das coisas mais fascinantes que há, como é possível que haja um momento no qual o símbolo é a forma mais perfeita de comunicação possível, mas isso não quer dizer que o símbolo seja a forma mais competente. Contudo, isto é atribuído à linguagem que é a forma superior da comunicação humana, o que é falso. Inclusive se sustenta há 25 séculos que o homem se define pela faculdade de falar. Por que? O estruturalismo sustenta que a forma verdadeira da linguagem é a linguagem falada e desdenhou a linguagem escrita, a expulsou da linguagem, então isto tem graves consequências porque impede definir a linguagem e, de fato, a experiência moderna é a indefinição da linguagem, a indefinição da poesia e a indefinição do símbolo.

[…]
Dizem que a poesia é um mistério, não, não, o que se dá é que a poesia só trabalha com o mistério, tem que o descobrir e creio que esta é a grande época dos poetas, porque temos o século XXI pela frente. O mundo está desconcertado, o século XX caiu na mais profunda desgraça, todas as suas ideias se esgotaram, isso tem uma continuidade de outra natureza. Ruíram, ruiu a pintura abstrata, ruiu o estruturalismo, ruiu a linguística, ruíram todas as aspirações da humanidade, todos os credos políticos, todas as organizações, as ideias de Pátria, tudo isto se converteu em um labirinto, uma voragem que a humanidade não acaba de organizar em seu pensamento, de introduzir uma ordem nesse caos. Agora se fala muito do caos, porque o caos é o signo destes tempos. Agora é o papel da arte, ali é onde a linguagem não tem nada o que fazer, tem que vir a poesia principalmente e ver isso que vem e isso pode muito bem fazer qualquer jovenzinho venezuelano ou dominicano, que ninguém sabe quem e pode passar 30 anos desconhecido ou 50 anos desconhecido, como se nada e depois, retrospectivamente, dizer, olha que aí está feito. A mim o que falta agora são as forças físicas e a fé em um mundo que eu desejara. Então buscar isto no que vem resulta, sim, então é o gênio. Por isso digo, os jovens, porque os jovens estão comprometidos com o futuro, o futuro é deles, não dos velhos. Eles devem ter a capacidade de vislumbrar o que vem. Eu lhes asseguro que isso ocorre, porém são cinco ou seis milhares de milhões de pessoas, são quatro mil ou cinco mil jovens que existem, porém são quatro ou cinco milhares de milhões de jovens que têm essa tarefa pela frente, muitos vão acertar, agora, se o jovem que vislumbra isso não possui recurso técnico, se não viveu desde a infância algum contato com a arte, não é capaz de traduzir isso com os meios materiais, porque se deve ter as duas coisas. É necessário ter a visão, porém também o domínio com que comunicar isto, porque de outra maneira não se recebe a mensagem.

PEDRO MIR
“El siglo XX ha caído en la desgracia”, entrevista concedida a Coromoto Galvis. Revista Auditorium # 9. Santo Domingo. 1994.


A VIDA ORDENA QUE POVOES ESTES CAMINHOS

Vêm as horas, horas de céu azul,
e de verão, sobre a copa verde.
Vêm sobre as velas do mar
do sul e logo sobre os homens vêm.
Elas rangem no leme e saltam,
e desde então saltam sobre os meses.
E um caracol de mãos entre a espuma
colhe seu mês de prata e o desenvolve.
Por essas horas vêm estes caminhos
de sangue, trêmulos até a gente,
trazem seu velho vulto de suor, sua angústia,
seus jornais de luto sobre as frontes;
trazem sua velha raiva de cor e a última
linguagem forte de cor e sua febre;
trazem seus braços torcidos como a brisa
das bandeiras, o suor assustado
como o parapeito de um poço e o velho lenço
de lágrimas e o punhal de cruz e a morte.
Estes velhos caminhos cruzam as horas
longas, vêm até os homens, os tornam
amargos, faz com que amadureçam em ácida
maturidade de fruta cálida e agreste,
e por vezes lhes distribuem horizontes
rubros de espinhos e papoulas rebeldes.
Vêm as horas e queria um rápido
florescimento de amor, uma iminente
paz coalhada sob os tetos. A vida
ordena que povoes estes escuros caminhos!…
eu queria uma verde província de pão
e frutas erguida sobre um mapa recente,
junto da água de pedras que o punho alcança,
e o afã alcança e o suor contém…
a vida ordena que povoes estes caminhos:
ordena que povoes estes caminhos e então
sai esta voz de sombras e de raízes
amargas e de borboletas de febre,
desta garganta espessa de raízes
amargas e de acesas borboletas de febre.


CADÊNCIA

A esperança é um morto
Com os lábios mordidos.

A esperança é encrespar
Os punhos diante do esquecimento.

A esperança é um tema triste
Que ressoa em um rio negro
Que levamos dentro de nós.

A esperança é um íntimo
Rancor quando os povos
Se enfraquecem, ao ver
O mundo encher-se de clamor
E sacrifício
Não apenas a alma
De Santo Domingo
Mas sim o tempo o coração
Unânime do século
Em todos os idiomas
E todos os delírios.

A esperança é a hora
De impulsionar a marcha
Do relógio, de conduzir
O barco sobre o mar
E o cavalo na montanha
Que amava Federico.

A esperança é o fim
Da Humanidade
Se não torcemos o rumo
Do joelho
Se uma tocha e um punho
Não erguem os vulcões
E transbordam os rios
De redenção em redenção
Até a gargalhadas das crianças.

A esperança é a última
Vez
Quando à frente e atrás
Não resta outro caminho
Que a realidade golpeante
E golpeada
Palpitante e palpitada
Como uma valsa
Sobre os cinco sentidos.

A esperança é o fim
Da esperança
E o começo
Do destino
Da esperança.


EVOCAÇÃO DO RUÍDO

Cada cabeça levava com graça seu pedaço de céu
completamente próprio, pela esquina quebrada.
Passavam céus claros e céus mais robustos,
levemente sós, com um ar contíguo à adolescência.
Cada cabeça arrastava seu pedaço de céu.
Às vezes, na esquina quebrada,
perseguido por breves redemoinhos azuis,
detinha-se um céu juvenil que mal repousava
como um beijo sobre uma pele secreta
oculta em uma rede de ciclos dolorosos.
Provava seu equilíbrio feito de veias brandas
e músculos de rosa,
e seguia a necessária rota,
o breve sul que levemente mancha o leste,
na presente rosa dos ventos de verão.
Ou talvez desembocava o último céu
na esquina quebrada,
com sua nuvem final, seu definitivo azul,
e tomava um rumo ignorado por seu umbral de sombras
permanecidas de acorrentada intimidade.
Porque, eram muitas cabeças
e todas de sangue vivo, de movimento vivo,
e cada uma então arrastava seu céu…
Foi naquele momento por onde veio o grande ruído.
Surgiu das sombras, do fundo de seus caminhos
negros, do torrão escondido,
e emigrou para os tijolos vermelhos,
encheu todo o dia, repercutiu
no último rincão onde descansa o último
pensamento, silenciou toda boca,
designou um grande esquecimento que apaguei;
e o ódio e a esperança,
e ficou palpitando, completamente só
caindo como um fungo ilimitado,
o último pensamento cativo do nada,
colhido em sua própria malha de severos cordões.
Depois a vida circulou de repente
com novo sangue e corações novos.
Fez um estranho dia de grandes olhos celestes
e um céu imenso de cristalino tato
derramou-se em silêncio sobre todas as cabeças…
Azul de um céu único.
Razão de um medo antigo.
Recordo haver querido um amor sem tropeços.
O ar estava limpo como folhas chovidas.
Nos demos a mesma mão,
medimos a distância,
nossas veias correram precipitadamente
em busca de um poro distante.
Um tosco fragmento do céu tremeu em seus cachos,
e no fundo da alma nos intimidamos de medo.
Um medo interminável que rompia os céus em fragmentos azuis…

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