3 Poemas de Stelios Karayanis (Grécia, 1956)

| |

Tradução e apresentação de Floriano Martins

Stelios Karayanis (Grécia, 1956). Poeta, ensaísta e editor. Nome representativo da geração dos anos 80, também se destaca por seu relevante trabalho como hispanista e tradutor. Recebeu o Prêmio de Poesia Nikiforos Vrettakos (Atenas, 1993). É Doutor em Filosofia Moderna pela Universidade de Ioannina na Grécia e Doutor em Teoria da Literatura e Literatura Comparada pela Universidade de Granada. É membro da Academia de Boas Letras de Granada, um dos fundadores da Associação de Hispanistas Gregos, membro da Associação Nacional de Escritores Gregos e membro do Pen Club. Leciona Literatura Espanhola na Universidade Aberta da Grécia desde 2005. Foi diretor da Revista Internacional de Poesia Erato Ars Poética e agora é diretor de Hécate, Ars Poetica, Revista Internacional de Poesia, Conto e Teoria Poética. Dirige a série de livros de Poesia e Ensaio Hécate Ars Poética. Atualmente vive em Atenas.


POLYCRATES

A Luis Manuel de la Prada

Não sei como as coisas chegaram a este ponto e se aconteceram
assim como o divino Heródoto nos diz; de qualquer forma, lá no fundo
eu sentia medo, porque, onde quer que situasse o exército, tudo
acabaria bem e como desejado, como dizem. Em mil vezes
as Moiras me protegeram e os infortúnios fugiram de mim, e talvez
tenha sido isso o que irritou Amasis, meu fiel amigo e camarada.
Ele pegou seus pertences, escreveu e me enviou, em papel timbrado,
um papiro caríssimo, última carta concisa, na qual me dizia,
incompreensivelmente, que, a partir daquele momento, acabara nossa
grande amizade. “Inexplicável, inexplicável”, dizia, enquanto gesticulava
inquieto naquela requintada tarde de primavera, logo após minha
inspeção sagrada dos tesouros, sem saber exatamente que Orestes
de longe planejava minha morte, no momento em que o feriu com
palavras de zombaria e desprezou em seu próprio jardim, referindo-se
à glória e meu poder, aquele miserável Perses, Metrobates.


MONÓLOGO DE ORESTES

A Yannis Ritsos

O sol não excederá suas medidas
se as jovens Erínias da Justiça
não o permitirem.
Heráclito, Sobre a natureza, 94.

Na minha noite, o medo. Ontem, tão logo anoiteceu, eu me tornei
assassino e por vingança matei a minha pobre mãe. Era tão assustada
e covarde que estremeceu como uma árvore no momento em que
o lenhador vai cortá-la. Eu não queria ver novamente o brilho escuro
do crime embutido em seus olhos. Eu mergulhei a adaga furiosamente
em seus seios quentes e imediatamente o sangue saltou como um rio
infectado. Ela despertou então ofegante na tapeçaria e ali se prostrou,
presa tentadora para os cães e o queixo de Hades. Porém vejo
agora, como subo e desço, fora de mim, os alçapões da noite,
esperando que os deuses me mandem uma chuva fresca para me lavar,
algo como uma calma final após o terrível crime de haver
morto a minha própria mãe. Para mim, desde a infância, os infortúnios
ensinaram-me a distinguir num instante todas as purificações
justas, e quando devo falar ou calar a boca. E se eu fosse
até o fim, para todos vocês, o vingador e o destruidor,
o libertador de Argos, talvez estivesse escrito que não existia
para mim calma, sorriso, alegria ou tranquilidade no sono.


ODISSEIA, RAPSÓDIA FANTÁSTICA

A José Gutiérrez

E uma vez exalada
a alma voa
como um sonho;
então procura a luz.
Odisseia, XI (223-224)

Se bem me lembro, quando era pequeno, pensava muito em Ulisses.
Vivia então o dia como um sonho, diante do mar, sentado nas
saliências das rochas, lendo Homero e imaginando minhas
próprias viagens. Às vezes, acontecia de nos encontrarmos na mesma
tripulação, nas mesmas encruzilhadas, nos mesmos portos
míticos. Nós dois tínhamos, aparentemente, em nossos olhares
o mesmo sentimento, o profundo sentimento da nostalgia.
Faz muito tempo, e o Ulisses de minha juventude, que tanto e tanto
me ensinou na vida, mudou completamente. Pelas noites,
ele chega inquieto à ponte e me olha com estranheza. Olhe para mim
com estranheza especialmente quando não podemos encontrar nosso caminho
em tempos de mar agitado, talvez procurando minha ajuda, talvez
pedindo que eu lhe diga uma palavra. Faz muito tempo desde então.
E ainda não sei o que eu teria lhe dito. Talvez falasse sobre uma noite
de brilho de estrelas. Talvez eu também falasse sobre algo que é
incrível nos dias de hoje. Aquele imenso tecido que sua Penélope
preparara para seu retorno. Ou de alguns homens que se cansaram,
que perderam para sempre o outro sentimento, aquele profundo
sentimento da nostalgia.

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!