A Força Lírica de Forough Farrokhzad / 2 Poemas (Irã, 1935-1967)

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Tradução e apresentação por Floriano Martins

A tradição lírica persa, tão repleta de sensualidades, considera o poeta um guardião da consciência de seu povo. A poeta e cineasta Forough Farrokhzad compreendia com a força de seus seis sentidos o poder dessa tradição e dela participou incondicionalmente. Sua biografia está entalhada em uma frase: Toda a minha existência é um verso escuro. Porém não a poesia que ela escreveu, poesia de instinto rebelde, com seus véus sensuais e um termo caro ao Surrealismo: a exaltação lírica. Sua incansável reação a todo tipo de opressão que sofreu – o editor de seu primeiro livro chegou a ser preso e Forough acusada de corromper a sociedade iraniana – fez de sua poesia, assim como de seus documentários, uma expressão legítima da liberdade. Em um poema ela nos diz: Não me imponhas o silêncio / Tenho uma história para contar / Tira-me esta corrente dos pés / Meu coração de agita por uma paixão. Sua tradutora ao espanhol, Clara Janés observa que Forough, além de ter a força das imagens de um Lorca não é alheia ao surrealismo francês, já que foi grande leitora de Paul Éluard, destacando ser surpreendente, em sua poética, que ainda que rompa com a tradição, também a incorpora em sua obra. Exaltação lírica, devoção pela liberdade, sensualidade alegórica, a força de seu espírito, e não apenas de seus versos, a levaria a dizer: Creio que sou poeta em todos os momentos da vida. Ser poeta significa ser humano. Sei que há poetas cujo comportamento diário nada tem a ver com sua poesia. Em outras palavras, somente são poetas quando escrevem poesia. Em seguida, quando terminam de escrever, se convertem em cobiçosos, indulgentes, em gente opressiva, míope, miserável e invejosa.


O VENTO NOS LEVARÁ

Na minha noite, tão breve, oh!
O vento está prestes a encontrar as folhas.
Minha curta noite está cheia de angústia devastadora.
Escuta! Você ouve os sussurros das sombras?
Essa infelicidade que sinto alheia a mim.
Estou acostumada a me desesperar.
Escuta! Você ouve os sussurros das sombras?
Lá, na noite, algo está acontecendo.
A lua está vermelha e inquieta.
E, segurando este telhado,
Pode entrar em colapso a qualquer momento.
As nuvens, como uma multidão de mulheres de luto,
elas esperam o nascimento da chuva.
Um segundo e depois nada.
Através desta janela,
a noite treme
e a terra para de girar.
Através desta janela, um estranho se preocupa comigo e com você.
Você, no nosso gramado,
coloque suas mãos – essas memórias abrasadoras –
nas minhas macias mãos
e coloque os seus lábios cheios de calor vital
em contato com meus lábios macios.
O vento nos levará!
O vento nos levará!


A REBELIÃO

Não me imponha silêncio
Eu tenho uma história para contar
Tire essa corrente dos meus pés
Meu coração está agitado por uma paixão

Venha, homem, egoísta, venha
Abra as barras desta gaiola
Você me fez prisioneiro por toda a vida
Liberte-me para o meu último voo

Eu sou aquele passarinho
Quem sonha em voar
Meu canto se tornou um suspiro
No meu coração pesado
Meus dias fugiram em lamentos

Não me imponha silêncio
Devo revelar meu segredo
Faça todo mundo ouvir
O eco murcho do meu poema

Venha abrir o portão, para que ele voe
Para o céu límpido da poesia
Se você me deixar voar
Eu serei uma flor
No jardim da poesia

Meus lábios estão impregnados com o açúcar do seu beijo
Meu corpo retém o cheiro do seu corpo

Meu olhar lança suas faíscas contidas
E meu coração canta sua dor sangrenta

Homem egoísta
Não diga:
Sua poesia é uma vergonha

O espaço de uma gaiola é estreito
Para a alma tirada da paixão
Não diga que minha poesia é apenas pecado

Me dê o vinho desse pecado e dessa vergonha
E eu vou te deixar no paraíso
Suas virgens e suas fontes
Me deixe em um canto do inferno

Um livro, um lugar calmo, um poema, um silêncio
Eles são suficientes para me intoxicar com a vida
Eu não sinto muito se o paraíso me escapa
Outro paraíso eterno também habita meu coração

Uma noite a lua estava dançando lentamente
No meio do céu
Você dormiu e eu excitei todos os meus desejos
Eu peguei o corpo dela nas minhas mãos

O vento do amanhecer me deu mil beijos
E mil beijos dizem para o sol
Uma noite na prisão onde você era o guardião
Um beijo fez minha existência tremer

O homem para esta fábula de honra
A vergonha me encheu de prazer ilusório
O deus que me deu o coração de um poeta
Ele saberá como me perdoar

Abra a porta para mim
Para eu escapar através do céu limpo
Me deixe voar
E eu serei uma flor no jardim da poesia

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