Curadoria e tradução de Gladys Mendía
Juana Roggero (Buenos Aires, Argentina 1980). Poeta, licenciada em Ciências da Comunicação e revisora. Alguns de seus livros são: Bipolaridad (pájarosló editora, 2008), Cromañón (La Propia Cartonera, 2010), Antro (La Parte Maldita, 2014) e Morir delante de papá y mamá (2016). Em 2018, participou da antologia poética Martes verde, que compilou os trabalhos das escritoras que leram seus textos durante as semanas antes da votação no Senado da Lei IVE. Ela também participou de Otros colores para nosotras (Ediciones Continente, 2018), uma antologia de poesia contemporânea argentina escrita por mulheres.
NATAL
eu disse, pai, pare o carro
um enxame de insetos tinha me invadido
todo o meu corpo estava cheio de bichos
e cobras
e minhocas
eu estava morrendo, eu sabia
sabia que quando a celebração terminasse
eu ia morrer
não conseguia respirar e respirava
meu corpo era uma prisão
e eu continuava lúcida
e eu sabia que estava indo embora
na frente do papai e da mamãe
ali ao lado da estrada
carros passavam com alegria de Natal
luzinhas coloridas
eu estava sufocando
meus braços
estavam sendo comidos por animais
eu não podia tocar a mamãe, não deixava
que ela me acariciasse ou me abraçasse
eu não podia
eu tinha que ir embora e era urgente
que eles chamassem uma ambulância
eu queria ir de ambulância, sim
o carro parado no meio da estrada
na noite de Natal
o vômito não saía
eu estava me afogando
meus órgãos estavam quebrados
meu sangue estava se apagando
eu ia morrer e era bonito
que fosse assim e à vista
do papai e da mamãe
sem deixar que eles me tocassem ou falassem comigo
sem parar
de respirar
tão lúcida
OS BURACOS NEGROS NÃO EXPLODEM
“implodem”, você disse
eu rio enquanto você se seca
vibrante pelo banho de mar
e por ter roubado do verão
esses dias de abril
você sorri como um ladrão
você diz novamente a palavra “implodir”
você quer me explicar
significados, acepções, coisas
que eu conheço
mas eu te ouço como se não soubesse
nada sobre galáxias
ou o mar ou estações
falamos sobre o dicionário
procuramos por palavras novas
discutimos as construções
corretas, vivas, saudáveis
damos espaço
a tudo isso
que nos antecedeu
QUEM SEGURA O MUNDO?
E o pior é que sobrevivemos
sempre sobrevivemos
ao amor à ruína
à constante surpresa da morte
eu avanço entre destroços
e sei que o terrível
é que voltamos a ser felizes.
Selva Casal
a onda vai e vem
e eu quero imortalidade
que se pareça com o mar
ao fundo da baleia branca
às vezes, eu fico tonta
de terra
vai e vem
quero corredores
onde brincar de esconde-esconde no escuro
voltar ao homem de lata
ser
um pouco de argila insolada
aguentar calada e viva
percorrer o céu
todo ele de cima a baixo
quero que ele caia
e sentir o som
da água no metal
sempre pertinho
da costa