Conversación Con Dylan Thomas  – Poema de Waldo Leyva (Cuba, 1943)

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Curadoria e tradução de Gladys Mendía

Waldo Leyva. Poeta, ensaísta, narrador e jornalista cubano. Remedios, Villa Clara, Cuba, 1943. Exerceu a docência universitária como professor de Estética e de Literatura Cubana e Hispano-Americana e o jornalismo como fundador e diretor de revistas culturais, entre as quais podem ser mencionadas: Del Caribe e Letras Cubanas. Graduado em atuação e direção teatral; escreveu obras dramáticas e foi diretor-fundador do teatro universitário da Universidade de Oriente. Entre suas obras encontram-se: De la ciudad y sus héroes (1974), Desde el este de Angola (1976), La distancia y el tiempo (Antologia, 2002). Seus poemas foram traduzidos para vários idiomas e fazem parte de diversas antologias da poesia cubana e hispano-americana. Em 2010, recebeu o X Prêmio Casa de las Américas de Poesia Americana.


CONVERSACIÓN CON DYLAN THOMAS
(fragmento)

Nunca saberei se alguma vez te perguntaste,
porque decidiram trazer-te a este mundo
onde a morte estabeleceu seu senhorio.
Quando um homem e uma mulher se juntam, Dylan Thomas,
terão em conta que ao fazer amor
são como deuses,
que, no ato de se amar,
de trocar seus sucos essenciais,
pode vir depois um ser
que terá um nome,
um modo de tocar as coisas,
um rosto para o beijo ou o açoite.
O tempo passa,
a lua se reinventa todas as noites,
entra pelas frestas,
muda o ritmo das marés,
arranca da campana
uma muda sinfonia
[1]
se esconde na lã densa
das ovelhas do estuário,
e viaja com o ar que transporta
a baía de Swansea
às janelas das casas
onde o sonho e a vigília se confundem
com a incerteza e a esperança.
Parece que te ouvi, Dylan Thomas,
quando recordas
uma adolescência ainda incerta:
Senti todo o meu corpo jovem
como um animal agitado,
senti a ardência dos joelhos,
o coração alvoroçado,
o longo calor entre as pernas,
o suor ardendo em minhas mãos
os túneis que se afundavam em meus ouvidos,
as bolinhas de sujeira entre os dedos do pé,
os olhos em suas órbitas, a voz retida,
o galopar do sangue,
as lembranças dentro de mim, tensas, atentas,
esperando o instante para saltar.

Às vezes a gente sente, Dylan,
que voltar para casa dói muito,
sabe que alguma vez saiu,
que abriu a porta,
que levantou outra aldrava
contra a madeira
mas o som continua longínquo
como um antigo bronze no deserto.
Outras, como Quevedo, sentes que entras
num quarto feito em despojos,
vês tua própria sombra num canto,
e não encontras coisa onde pousar os olhos
que não fosse lembrança da morte [2].

Não sei você, mas eu me sonhei morto
muitas vezes.
Quando criança, chorava junto a um caixão vazio
ou interrogava um público sem rosto.
Com os anos, o sonho se repete,
o buraco cinza da madeira
tem meu corpo.
Vejo o rosto dos meus vinte anos.
Só meus olhos já não são meus olhos
nem tampouco os olhos que me esperam.
De costas, na sala vazia,
há sempre uma mulher,
que poderia ser minha mãe.
Canta em silêncio essa canção de ninar
que nunca lhe ouvi.
Anthony Hopkins, Dylan Thomas, lembra
sua traumática infância em Port Talbot.
Não sei se alguma vez sentiste, como ele,
em tua pequena escola,
o cheiro de leite azedo e casacos úmidos
dos quais Hopkins fala com rancor.
Algo desse desprezo a receber amor ou dá-lo
marcou tua existência, Dylan Thomas?
As vidas não se substituem.
Compartilhar o tempo e o espaço
não significa que vejamos
ou toquemos
as mesmas coisas;
que o rumor do sangue
indique o mesmo desespero
ou que o estalo da luz nos apague igualmente
ou nos transporte de um mundo a outro.
Quero ouvir-te novamente, Dylan Thomas,
imaginar-te voltando a cabeça,
levantando o olhar
para fundar novamente Llareggub Hill,
e descobrir entre as verdes
e ensaboadas árvores
as casas brancas das fazendas
espalhadas ao longe,
onde os fazendeiros assobiam,
os cães choram, as vacas mugem,
embora saibamos
que tudo está demasiado longe.

Perto da colina,
à distância de um gemido de campana,
marcada por certa névoa da memória,
está a diminuta cidade voltada ao mar.
Nela, as lojas rangem ao abrir.
Posso ver o pequeno Mr. Edwards,
com gola de borboleta e chapéu de palha,
na entrada de Manchester House
medindo a olho os transeuntes
para lhes confeccionar
suas camisas de listras de flanela,
ou mortalhas e blusas coloridas.

Mr. Edwards respira fundo como um fole
na perversidade de seu pensamento.

O capitão cego continua sentado,
espera o repique do bronze
que antecede a salmodia
do reverendo Jenkin;
implora que a cidade seja abençoada
sem importar se morremos ou não,
porque ninguém é completamente bom
nem totalmente mau.
Percorrer novamente Under Milk Wood,
tentar fazer parte
das múltiplas vozes
que preenchem esse bosque lendário,
saudar na fina noite
os mortos que dormem
em suas camas mornas,
ou os vivos respirando
em escuros caixões de carvalho
enquanto a brisa enruga
a superfície da água
e a terra se queixa
pelo implacável crescimento
das raízes,
é uma experiência inesquecível.
A Ilha, Dylan Thomas, minha ilha
continua sofrendo os embates
do implacável vento norte
e seus próprios cataclismos interiores,
mas suas muralhas invisíveis permanecem.
A Peste voltou
a estabelecer seus domínios
e o Planeta agoniza.
Volta à minha memória,
uma e outra vez,
esse doloroso verso teu
onde advertes
que um útero pode impulsionar
a morte
enquanto a vida escapa.
Quero pensar que você,
assim como eu,
sentia a urgência de descobrir
o que ignorava.
Às vezes,
para tocar as fronteiras imprecisas do futuro,
é preciso voltar ao começo,
assumir os riscos
de encontrar seus obscuros
ou claros mecanismos,
saber se é o momento propício
para os suicídios
ou para a oitava mais alta das flautas.
Viver é um risco que assumimos, Dylan Thomas.


[1] Jesús Orta Ruíz, El Indio Naborí

[2] Francisco Quevedo.

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