DO RAP AO HARDCORE AO CARTUM: AS ARTES DE XANDÃO CRUZ

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Por Monyse Damasceno

Alexandre Raimundo da Cruz Medrado ou, sem muitos rodeios, Xandão Cruz. Esse é o nome do artista versátil e carismático que tive a chance conhecer e conversar para esta entrevista. Xandão está na música desde 1992, nasceu em Rio Claro, cidade do interior Paulista, e hoje vive em Diadema. O nosso contato se deu por conta do recente lançamento do seu EP “Pressa pra Chegar”, que está disponível em todas as plataformas digitais e conta com a produção musical do beatmaker Lincoln Rossi (que também foi entrevistado por aqui).

“Pressa pra Chegar” também foi o meu primeiro contato com a música do Xandão, e para primeiro encontro, está sendo inesquecível: o som fica na cabeça de tão genuíno e rico de participações. Vale a pena escutar o rap BR!

Além de vocalista em projetos solos, Xandão tem uma longa caminhada dentro do Hip hop, do Reggae e de outros ritmos que constituem e representam a diáspora africana, somando participações e projetos de tamanha importância para o cenário musical independente nacional.

Atualmente ele está à frente dos vocais do Crexpo, um grupo de Metal e Hardcore que está na ativa a todo vapor, e paralelo a isso, segue diariamente publicando na sua página do Instagram seus cartuns sarcásticos e cômicos. Conversamos sobre todos esses projetos e pessoas que fazem parte da sua trajetória na música, sobre o trabalho que foi realizado para o EP recente e sobre os desejos e projetos que estão na mira.

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Para começar, quem é o Xandão Cruz?

Comecei a cantar em 1992, por influência dos amigos, na banda Nambyth, que logo depois se tornou Los Cucaraccia, na cidade de Nova Odessa, no interior de São Paulo. Depois disso passei a tocar em outros projetos, de 1996 a 1999, toquei com o Djamblê, e depois fui para São Paulo e ingressei no grupo Afrodimpacto, fazendo jus ao que já havia sido feito na velha escola, onde grupos uniam o rap e o reggae, como Black Panter e o grupo Kaya, e letras de protesto.

Depois de um tempo fiquei só com o AfroRude, com o DJ Victor, no comando das pick-ups, e o Júnior, que cantava. Fizemos muitas apresentações legais com todos esses projetos, e paralelo a eles também me dediquei ao meu trabalho solo, o Medrado, que é meu sobrenome e se tornou um projeto em que eu cantava uma mistura de Hip hop e Jazz, unindo o começo do meu trabalho fonográfico, e depois desses trabalhos que fiz na época do Afro Rude eu já curtia sons desde os anos 90.

Esse projeto resultou em um EP com seis músicas. Entre os trabalhos em que fiz participações, teve o Reviravolta Máfia, que era um grupo de cantores e produtores, que somava quase 30 pessoas, o Família 7 Velas, que teve início em 2003, com ele cantávamos rap e introduzimos outras culturas, fazendo referências à Pepeu, por exemplo, e outros artistas que eram nossas referências na época.

Desde então, além do Hip hop, também começamos a fazer reggae, e isso acabou por versatilizar o vocal, inserir outros instrumentos e ritmos, como reggaeton, graças a influência direta de muitos amigos, como o DJ Carlinhos Nf e o Daniel.

Conta um pouco do início da sua trajetória com a música…

No final dos anos 90 eu já recebia o apoio de nomes como Kamau, Munhoz, Renato Venom, Espião, e de grupos notáveis do rap nacional. Nessa época eu trabalhava na Galeria 24 de maio, na loja Subsolo, onde eram vendidos os discos de rap, então acabava tendo muito contato com essas pessoas, que resultou em boas e grandes amizades.

Inclusive sou muito feliz por ter o respeito e parceria de bandas como o Mato Seco, rappers como Jota Ghetto e DJs como o Tadeu; e por poder fazer um trabalho em SP, trazendo a nossa essência de interior é muito importante.

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Sempre estive entre os caras, e agradeço muito por isso, por ter conhecido grandes mestres, DJs, cantores, MCs, pois esse é o meio que gosto, a cultura reggae, o hip hop, e estar envolvido nisso é maravilhoso, agradecendo sempre… DJ Nato PK, PaudeDaemDoido, todas as crews de SP, DJs e dançarinos, Operação Diamante, é muita gente.

Participar de disco do Kamau, do Anão, gravar e estar entre as pessoas que gosto e gostam de rap, reggae, isso para mim é impagável. Não tem isso de “ah, você não chegou lá, seu som não estourou”, cara, eu conheci várias pessoas que hoje são expoentes da música brasileira, é muito importante ver que amigos que você viu passar fome hoje estão em ascensão na música preta brasileira, isso é o mais gratificante da história do Xandão Cruz, esse que vos fala.

Xandão e Jah Wala
Arquivo pessoal.

Do ragga ao rap, como se dá essa versatilidade enquanto artista?

A minha versatilidade dentro da música tem uma influência muito grande do meu irmão. Ele sempre escutou de tudo, Rolling Stones, Beatles, Edson Gomes, Titãs, Fat Boys, muita música diversificada. Recebi também a influência da música nordestina, através do meu pai que é baiano. Esse contato desde pequeno com várias melodias recaiu sobre o meu trabalho, principalmente a partir de 2003, com o projeto Família 7 Velas.

Imagino que você tenha uma ampla rede de contatos, e com isso tenha participado de diversos projetos. Quais são os grupos que fazem parte da sua trajetória dentro da música?

Como cantor, passei por bandas como Los Cucaraccia, Must be Drooling, Djamblê, Afrodimpacto, Afro Rude, Reviravolta Máfia, Família 7 Velas, Projeto Rookie, Dancehall de Quebrada. E no caminho também fiz participações fonográficas nos discos de bandas como: RPW, Enganjaduz, Nazireu Rupestre, MacGaren, Variuz, Timm Arif, American Rappers, J.T MC’S, Sapo Banjo, Magüerbes, F.A.S, Munhoz Professor M. Stereo, Enézimo, Dj Nato PK, Fex Bandollero, Jimmy Luv, Dj Caíque, Ascendência Mista, entre outros registros.

As principais apresentações musicais da minha história aconteceram no programa Manos e Minas, da TV Cultura, com o Dj NatoPk, nos Sesc Santo André, no Sesc São Carlos com Ganja Groove, no Sesc Pompéia com Dancehall de Quebrada, Festa CrespoSim, Hole Club São Paulo, no Sesc Belenzinho e Itaquera com Nazireu Rupestre, na Casa El Dragon do Surf em Balneário Camboriú, no Grito Cultural Reggae em São Paulo são alguns dos meus grandes momentos graças à música.

Em 2013, regravei em versão “raggamuffin”  a canção “Corpo Fechado” com o  Thaíde, um dos principais representantes da cultura Hip Hop no Brasil, e foi outro momento muito gratificante da minha carreira na música. Isso porque essa canção foi originalmente lançada em 1986, na compilação Hip Hop Cultura de Rua, e registrada 20 anos após no CD Projeto Rookie.


CREXPO

O contexto político sempre foi muito presente nas suas letras, fosse no ragga, rap ou no movimento punk. E atualmente você está envolvido com a banda de Metal e Hardcore Crexpo. Fala um pouco disso tudo, Xandão.

O Marcelo e o Ed tocavam em outra banda e toda vez que a gente se via era aquela coisa de “ah, vamos fazer uma banda de preto”, e eu gosto dos caras, como pessoas e como músicos. Aí começamos a ensaiar em 2018, quando o Ed me chamou para fazer um teste, e foi legal pra caramba, acabei conhecendo pessoas e reencontrando outras que já conhecia desse cenário do rock, todos músicos muito virtuosos.

A partir disso comecei a escrever e encaixar nas instrumentais deles, que são muito bem feitas, e no meio disso tudo eu também tinha que terminar o disco de rap com o Lincoln Rossi, o “Pressa pra Chegar”.

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Nesse período gravamos o disco do Crexpo em Guarulhos, com Dan e Fê, no Toth Studio, caras gente boa, qualidade muito legal, fizemos nossas músicas e estamos felizes pra caramba. Hoje na Crexpo sou letrista e vocalista, e toco ao lado do Ed Chavez, Marcelo Ba e do Douglas Prado.

Sobre as letras, têm muitas na minha carreira, nos primeiros demo tapes, que eu não considero muito pesadas, naquela época a gente ainda tentava fazer música, fazia com vontade, mas estava aprendendo. E teve um período em que eu cantava algumas coisas no ragga que eram machistas, uma visão antiga que a gente tenta desconstruir todo dia, e é muito importante tentar mudar nossa cabeça e se voltar para nossas raízes mesmo, porque senão a gente vai acabar pensando e verbalizando errado muitas coisas. Tem que mudar o pensamento.

O Lincoln Rossi faz a produção musical do disco “Pressa pra Chegar”, você participou do disco dele solo “Retalhos de uma Vida”, e juntos já fizeram alguns singles, como foi o trabalho para esse projeto recente?

O Lincoln Rossi é meu amigo, né? E a gente já fez um monte de música juntos, no meio disso também ouvimos muitas coisas juntos, estamos sendo nos propondo a bolar, criar alguma coisa. Acredito muito no trabalho dele, e parte disso se deve ao fato de ele também acreditar muito no meu trabalho, mas independente disso sou fã do que ele faz.

É sempre muito legal poder trabalhar com ele, porque a gente tem uma identificação e um respeito mútuo pela arte que o outro faz. Não fica “pô, Xandão, canta aqui desse jeito”, “pô, Lincoln, faz uma base assim”… Isso é muito chato.

Nossas artes somadas já saíram no disco solo dele, “Retalhos de uma Vida”, com aquela capa linda, fizemos também o Satta Massa Ganja, com os meninos do reggae de São Carlos, o João Penteado, Jazedje, Fred Gomes… E ainda vamos fazer mais músicas, vamos perturbar, vamos fazer mil projetos e vão ter que aguentar “nois”.

Além de “Pressa pra Chegar”, já existem outros projetos sendo pensados?

Além da divulgação nas plataformas digitais, também queria muito prensar o EP em fita, é um plano. Mas já gravamos cenas do videoclipe que irá registrar a canção “Então Investe”. E projetos, eu tenho vários! Vai sair uma música chamada “Avião de Cocaína”, que é do Visel MC, e o Lincoln Rossi participa dessa também. Tem uma música com o Jawla que também logo será lançada. Estamos gravando músicas novas do Crexpo, e aproveito para dizer que: escutem Crexpo nas plataformas digitais!

Como você selecionou as participações para o EP “Pressa pra Chegar”?

A seleção desses artistas foi de coração, são pessoas que já tenho amizade e pessoas que gosto do trabalho, humildes. Às vezes é meio complicado, você fala “vamos lá gravar” e muitos não vão, gravar quem gosta do trabalho da gente também, né? São pessoas que estão no meu dia-a-dia, que já encontrei na minha caminhada.

O Guiomandala, menino aqui de Diadema, ela canta muito bem raggamuffy, gosta de um monte de coisa também; tem o Raul Conrado, que canta divinamente e também produz.O DJ Bidu, grande amigo dos final dos anos 90, o DJ Ed, que é DJ do Jimmy Luv e fazem um baita trabalho no reggae, dancehall, no hip hop; tem o Goldman que é de Guarulhos, canta muito bem, resgata o Hip hop antigo dos anos 80 e 90, que curto muito.

O Rodrigo Short, de Limeira, canta muito e tem uma levada surpreendente, menino de atitude, tira leite de pedra no interior de SP; tem também o irmão Mascote, que tem um estúdio em casa, um menino excelente, que já cantou com o Ogi, sou muito fã do trabalho dele. As vozes para esse álbum foram gravadas no LC Mago dos Beats, o Zimba e o LC são motoboys, e esse nome de “Pressa pra Chegar” é meio referente a isso; no disco também tem o Visel, que é um rapper poliglota, que mora em Tatuí, representa muito o Hip hop, escreve muito e leva o Hip hop em sua essência, ele que fez o clipe do rap “Mano me Escuta”.

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Você também é cartunista, publica umas ilustrações com um humor muito próprio em suas redes sociais, inclusive, a capa do disco foi feita manualmente por você. Fala um pouco sobre esse teu pé nas artes visuais e suas participações em projetos escritos, como fanzines e revistas.

Um monte de gente sempre me deu uma força para fazer desenhos e continuar exercitando essa habilidade. No início dos anos 2000, junto do Manuel Araújo, do Filosofia de Rua, fizemos a capa do Consciencia Black III, ele digitalizou um desenho meu e ficou muito bem feito, um grande artista.

Para essa capa do “Pressa pra Chegar”, a inspiração surgiu depois que saí com o meu filho e compramos no sebo duas HQ, uma delas era da Marvel, e quando vi a capa, também por influência do Alexandre De Maio, senti poderia criar algo com base naquilo. E fiz. Assim que concluí, enviei pro Lincoln e foi isso mesmo: fazer o trabalho com aquilo que a gente gosta, nossas influências na música, nos desenhos, sempre agradecendo aos mestres, como o  Laudo, Marcate, Rogério Velasco, influências que tenho no desenho.

Desde pequeno desenho, meus pais sempre me influenciaram, e acho que sempre vou desenhar. O Instagram agora é uma nova forma de divulgar, antes eu divulgava por meio de fanzines porque, na verdade, gosto bastante de colocar as ideias no papel, porque aquilo que eu penso outros também podem pensar.

Como cartunista desenhei a capa do cd Rasec versus Snoop, compilação Nervoso é a Mãe, entre outras. Como escritor, fui colaborador da extinta Revista Rap Brasil, da Editora Escala, a qual trazia resenhas de trabalhos fonográficos nacionais e internacionais. Na mesma época, eu editava o Fanzine Rap na Ida e na Vorta, além de colaborar com cartuns no Jornal Boletim do Kaos, organizado por Alexandre de Maio e Alessandro Buzo, e no Jornal Estação Hip Hop, sob responsabilidade de Adunias da Luz.

Você é professor de história e lida com a educação inclusiva. Como é esse trabalho fora dos estúdios e palcos?

Sou formado em História pela Uniesp, em Pedagogia pela Unicid e pós-graduado pela Faculdade em Educação Especial com especialização em Deficiência Intelectual. Por influência de muitas coisas da minha vida, sempre quis pensar em quem realmente era oprimido, entendeu? Porque se eu passava por situações de racismo ou de diferenciação estética, era necessário pensar em quem passava por coisas piores que eu.

Foi aí que percebi que as pessoas especiais, eram na verdade as que passavam por piores situações, então eu quis estar com essas pessoas e ajudá-las. Comecei através da influência da Márcia, uma amiga, que me colocou numa escola inclusiva, e já saí estudando, lendo livros,  fazendo pós-graduação para que eu pudesse estar com essas pessoas, e aprender e ensinar também.

É muito gratificante, trabalho em uma empresa que tem parceria com outras empresas que conseguem benefícios para os alunos possam produzir, estudar, se locomover; estou com pessoas portadoras de todos os tipos de síndromes, existe uma grande equipe multidisciplinar envolvida com isso, e é muito legal, porque se aprende muita coisa trabalhando, e agradeço por isso, pois estou contribuindo para o progresso dessas pessoas, para que possam evoluir mentalmente e fisicamente também.

NOTA: Durante a produção desta entrevista o rapper, ativista e arte educador Enézimo, criador do selo PaudeDaemDoido, faleceu vítima de Covid-19 em Santo André/SP. Registramos a nossa solidariedade e respeito à trajetória e legado do Enézimo para a cultura Hip hop nacional. Enézimo, PRESENTE!

Fotos: Arquivo Pessoal/Negguz Prod

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