4 Poemas de Laureano Albán (Costa Rica, 1942-2022)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Laureano Albán. Nascido em Turrialba, Costa Rica, em 9 de janeiro de 1942. Fundou, juntamente com Jorge Debravo, o Círculo de Poetas Costarriquenhos. Estudou Filologia e Linguística na Universidade da Costa Rica e doutorou-se em Nova York. Exerceu funções diplomáticas na Espanha, Estados Unidos, Nova York, Israel e França. Recebeu diversos prêmios internacionalmente, como o Prêmio Adonais de Poesia (Madrid, 1979), o Fernando Rielo de Poesia Mística 1989 e o Prêmio Internacional de Poesia Religiosa (Burgos, 1983). Na Costa Rica, recebeu o Prêmio Nacional de Poesia Aquileo J. Echeverría e em 2006 foi agraciado com o Prêmio Magón, a mais alta honraria da cultura costarriquenha. Alguns de seus livros mais importantes são: Herencia del otoño (1980), Geografía invisible de América (1982), Aunque es de noche (1983), Autorretrato y transfiguraciones (1983), El viaje interminable (1983), Biografías del terror (1984), Todas las piedras del muro (1987), Suma de Claridades (1989) e a Enciclopedia de maravillas (1995), composta por três volumes.


[DESPIDO É O OUTONO]

Despido é o outono
como um ar onde triunfou o mar.

Sua luz é um espelho que pende do silêncio
com a metade afundada em outra sombra.

Em seu domínio, o homem se estremece.
Da árvore desmorona apenas o canto.
E na sentida imóvel da tarde,
A luz combate inutilmente.

Mas o amor permanece,

Sua maré azul entre os olhos:

esta ternura de fazer milagres.


EM DIREÇÃO A OUTRA LUZ

Para Ruth e Carlos Bousoño

O outono se acende diante da minha porta
como um manso mistério
invocando cegantes distâncias.
Eu reconheço nele o que não tem sido.
É quase uma paixão transfigurando-se
na móvel fronteira das coisas.
É um vencido mar que desce ao pó.
Em sua voz adormecida
agitam-se o tenso limite
da pedra e da luz.

O outono nos deixa a pureza,
nos salva da dor pelo milagre.
Arde sua luz em nossa voz incerta
e vence sem ferir, sem corromper,
transmutando os sonhos
como um espelho de infinita calma
onde nos miramos refletidos
em outra eternidade.


OCÉANIDA

A onda bate contra o limite
Carlos Sabat Ercasty

O mar é o prodígio.
Veloz arquitetura da sombra
nos tenazes dedos da espuma
que fecham as bolhas do silêncio.

O mar é a certeza
de uma mais alta solidão.
O estampido da flor do mundo.

Cai nele o espaço, o raio, o asco,
O pó migratório de olhos e milênios
E o torpe desamor,
Os espelhos gastados da chuva
E toda a orfandade,
A inerme gesta diária da morte,
Sem mais leito que ele,
Onde o esquecimento já total,
A transparência plena do abismo,

A rearmam com luz,
Injetam-lhe os alentos precipitados
Do vertical azul,
Do verde imenso
Da ressurreição.


TRÂNSITO DO HOMEM

A Vicente Aleixandre

Pelo olho do fogo,
convocando fúrias como palavras.
Perdendo rumos, músicas, regiões
onde se empenha o sol como uma lâmpada,
certificados onde consta o pranto.

Vem desde o silêncio
erguido como um tom de pétalas e sangue
que ilumina uma vasta solidão.
com a vocação rude do destino
entre os olhos e a boca, geme
se retorce nascendo, copulando
com um fervor de sal para a morte.

Escuta atento o mar, ciclo e presságio,
devolução do sonho entre a sombra.
Teme ser anjo e por isso cai.
E depois se decide, abre a terra
vastamente vencida,
roda gigante de solidões,
comunhão da sede com o inverno.

Inaugura caminhos, detém-se
de trecho em trecho para dar-se ao pranto.
Inventa o artifício do assombro,
o papel e a chama, os minutos
que rolam em direção ao tempo, derrotando-o.

É toda sede. Invoca os milagres
na irisada solidão onde arde.
Alimenta derrotas
com trânsitos de sangue ou com palavras.

De sua dor há testemunhos, asas.
como luzes rastejantes, seus silêncios
o precedem
tateando, adivinhando
a próxima queda, o infortúnio
da precipitada flor do corpo.

II

Inermes vão seus olhos
como bisontes cegos pelo tempo,
sem mais além, sem pedestal, sem ar
desde um sufoco a outro,

do rosto da pedra ao da luz.

De deus em deus invoca distâncias,
cerimônias tatuadas de mistérios,
dançando junto ao êxtase do fogo
que empresta seu calor para o milagre.
Desde uma choça que comprime o vento
na mão secreta da insônia,
detecta estrelas entre as frestas
do frio nas noites sem histórias.

Trote precipitadamente
por madrugadas como estepes pálidas
sobre a garupa escura do instinto,
onde os astros seu destino preenchem
de incêndio, muro, abismo, tremor, chama
e palpitação de solidão
em uma única sombra.

Com o único olho do assombro
aberto entre a sede, o medo, o ar
insondável e fugaz dos abismos,
olha de um jeito endurecido
e arranca corpos novos à sombra.

Ele sabe tudo em seu único silêncio:
a interrogante que gera a terra,
a clareza sonora dos pássaros,
o húmus que se torna musgo e parte,
e o sedimento do medo, a crosta
endurecida da morte diária.

Talvez tenha adivinhado e antecipado
todas as rotas através do sonho,
e na invenção do canto inventa o mundo,
e sabe, de uma maneira taciturna e fria,
que sua dor é uma rocha, um farol
piscante e solar diante do abismo.

III

Filho de solidões. Cicatrizes pulsantes
o cercam, lhe falam
da secreta pressa do sangue.
mas abraça e despe
com beijos vencedores
o fugaz sol do corpo entre os lençóis.

E na terníssima razão do ar
envolve o coração
com gazas trêmulas de luz, com fios
de encontros e horizontes distantes.

Bálsamo, endecha, pó,
tato precipitado
onde a clareza cantando morre.

Em um país sem voz, um território
onde o mar precede todos os seus sóis,
onde velames de brisa partem
sobre o arco terrestre da sombra.

Mas de repente, escuro até o delírio,
sem mais motivo que a morte, morde
com impulsos sem fim todas as rosas,
destrói os tijolos do sangue,
desmembra luzes, incinera voos,
condena a inocência recolhida,
cega os olhos pálidos do vento,
e desemboca blasfêmias
contra a porta inerme da terra.

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