Tradução de Floriano Martins
Antígona Katsadima é formada em Meios de Comunicação de Massa e Comunicação e fala inglês, francês, espanhol, italiano e russo básico. Escreveu resenhas e contos, peças de teatro, ensaios e poemas, alguns dos quais recebeu prêmios e distinções. Traduz e combina jornalismo com viagens, pois desde 2006 também trabalha como guia turística com grupos de turistas na Ásia, África e Europa. Seu poema “The Homeless” foi escolhido pela Fundação Andrés Barbosa Vivas (Bogotá, Colômbia), conquistando o primeiro lugar no concurso internacional de poesia de 2014. Escreveu nas revistas Le miau noir e Hablando con letra e tem uma colaboração regular com a revista MonolithVolume.com, publicando poemas em espanhol e grego, ou em inglês, francês e grego ao mesmo tempo, como forma de escrita dinâmica como ela o define. Possui duas coletâneas de poemas em grego das editoras (de)kata e Kedros.
EPÍSTOLA DE UM OLHAR PARA UM HOMEM NOBRE
Temos algo a dizer?
A mulher cuida da poeira do tempo,
aqui vemos a gravação, na testa,
mesmo que seja invisível.
Eu limpo, esfrego, não falo.
Meu rosto andaluz não reflete meu sentimento
como o teu que poderia
ter o cenho franzido,
eu mantenho meu ânimo, meu olhar baixo.
O silêncio da água fervida não tem cura,
mas, em suma, é uma posição dinâmica,
isto sim, eu me conheço melhor,
suporto o indizível,
sempre há um espelho e uma lebre,
bem sabes, a lebre corre rápido, desaparece
na densa escuridão,
por outro lado, eu não,
sou meu espelho encharcado de paciência,
como se fossem grãos de areia grudados
na trilha da memória,
e eu fico com a mão de Carmen
que tem uma magia maior que eu.
Às vezes, somos nossos órgãos,
esse pulso, esse latejo, vês meu peito,
meu coração sempre queima, oprime.
No final ninguém vai me perguntar
se algo pode ser feito a respeito.
De costas eu vejo melhor,
reconheço o valor
da espera, do pacto pendente.
Queres algo que eu não tenho
e se eu tivesse, tampouco te daria,
porque meus pensamentos me impedem.
Claro que penso, não me perco.
Esses risos não são autóctones,
são cópias da sociedade do cansaço,
ferrugem no pedal do freio.
Eu preferia que não,
não me interessa esse círculo de artes ruins,
a vida é mais rápida que o riso copiado.
Olhe para esses copos,
estão todos limpos depois do meu trabalho,
perceba a diferença entre sujeira e limpeza.
Por outro lado, quem poderia notar a nobreza
entre as pessoas?
Não sou responsável por isso, não é meu trabalho.
Mas não quero que digam nada
aqueles que nunca lutaram pelo pão de cada dia.
Não lutaste para viver,
as tuas maneiras são o que são,
porque achas que podes me convidar,
me diriges a palavra e tenho
que responder. Não quero fazê-lo.
Tens apenas meu olhar eloquente,
sua lua crescente,
as gotas de lágrimas escondidas.
Claro que não vou analisar
o que não é útil para isso,
o espelho não quebra,
está na altura da experiência.
A mão de Carmen continua
demonstrando sua eloquência,
os dedos cansados e tristes
tocam a superfície fria do granito.
Os lábios imóveis desenham o nada
das falas dos bares Folies-Bergère.
E meus olhos à plena vista contam uma verdade incômoda.
Muita gente, nenhum covil.
Tudo está exposto à luz,
só a minha mão, figura singular
parece que não entende o ar frio,
as pessoas fugazes que criticam,
suas vozes sem sentido, seus risos,
é um mundo do corte de ontem.
Eles não sabem que estão mortos
pensam que suas propostas merecem,
nada os atinge em seu orgulho.
Sou eu quem olha sem agitar as palavras,
a estranha mulher de seu ensimesmamento
porque as notícias dos rostos não coincidem
sempre com o que é expresso em linguagem.
As garrafas de cerveja vazias por aqui,
um bando de pássaros mortos,
contam a fama da doce sujeira.
A sério, ainda estás exigindo uma resposta?
Podes fazer o que quiseres,
eu não.
Podes iniciar um gesto
que ficará incompleto,
indeciso,
e nada acontece.
Por outro lado, tenho que estar determinada,
comprometida
com meu trabalho e as pessoas.
Então, esse olhar que eu dirijo
ao fundo do bar, à porta principal,
é um olhar esquecido.
É meu “eu” adormecido
enquanto a mão atende os clientes,
para lhes servir as bebidas,
para realizar pequenos serviços,
porque assim é,
a importância é um luxo e não é dada a tudo
o que se faz.
Continue olhando para mim,
não tenho medo dessa exigência irreal,
a mão de Carmen também é de Circe
e sabe como a angústia alimenta o orgulho.
Mas, no caso do orgulho vencido,
Logo se nota a derrota no ar,
entre os estranhos que se olham
ao detectar a raiva do homem perdido
em seus pensamentos espinhosos.
Esta é a minha celebração dionisíaca e oculta
ao mesmo tempo, agora que vejo o pequeno movimento
do seu chapéu negro como a nuvem forte
antes da chuva.
Seu chapéu sussurra algo para ele agora
que não quer ouvir nada,
estou convencida,
entendo que ele está por ir embora desse bar
com o desejo não realizado,
o anel de ouro intacto
e o bigode caído.
Eu realmente amo esse aspecto de meu poder secreto,
a mulher que dança,
a vida para Sócrates e Paul Valéry
está a nosso favor ao julgar bem.