5 Poemas de Monthia Sancho Cubero (Costa Rica, 1966)

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Curadoria e tradução de Gladys Mendía

Monthia Sancho Cubero (Costa Rica, 1968). Estudou jornalismo e educação pré-escolar. Trabalhou no jornal nacional La República e em diferentes jornais alternativos, revistas e emissoras de rádio. Foi Diretora da revista internacional de bordo Join us. Publicou os livros de poesia: Palomas de grafito (2015), Trance (2017), El rastro de la grulla (2019). Parte de sua obra foi traduzida para o inglês e italiano e foi incluída em várias antologias na Costa Rica, Espanha e Estados Unidos.


DO SUBSOLO

Eu sim vejo debaixo
o reverso das pedras.
Sinto o cheiro de desatino
e vozes perturbadas,
por isso irrompo
esta máxima a meu bel-prazer.

Perambulo em uma floresta animada,
luto contra a loucura tingida de sanidade,
aquela que se interna entre trilhas ariscas
para apagar a fé do meu olhar.

Eu cingi meu nome à inquietação,
identidade que desconheço,
mas já pouco me importa.
Toda noite
chego à morte
com o sudário sobre o rosto.
A fila se alonga
e ainda ninguém me espera.

Amanhã lerei novamente
o reverso destas pedras.


ERVA INDÔMITA

Nunca acreditaram
que eu fosse uma daquelas
que se abandona no lodo
para sorver resignada seus desconsolos;
erva indômita
tentando esconder a todo custo seus trapos.

Uma mulher que de vez em quando
faz orgias com a morte
e continua desafiando suas pupilas.

Pensaram que nunca
me havia levantado
da navalha da ausência,
do desamor e suas traições,
e que costurando-me em meu claustro
-com alguns rabiscos renascentistas-
fosse capaz de afugentar a agonia,
desfiladeiro que busca apagar
o tédio dos meus passos.

Não costumo escarafunchar meu coração nas vitrines,
não quero desabar diante dessa fogueira.
É suficiente ter que morrer antecipada
entre o murmúrio retorcido
dos malditos maxilares
que escoriam com suas bocas de sarça
o batente das minhas costas.


MONÓLOGO DE UMA MOCHILA

Não podia guardar mais o silêncio
nos cantos,
a carga vigilante declinava seu lombo
desgarrando o tempo para empreender
com pés ligeiros esta caminhada
e a loucura empacotada em sua mochila.

Precisava atravessar a calçada,
evadir-se do enclausuramento de sua agenda,
manicômio cotidiano
habitado de números, lágrimas e esperas.

Estava urgida de varrer de suas pálpebras imagens,
lavar os tímpanos de vozes
e romper o veneno do discurso ornamentado de mentiras.

De vez em quando
eu também sou
essa necessidade cotidiana e ambulante,
essa explosão imensa e contida.
Busco desesperadamente sacudir de meus ossos
o cansaço de estar
tão somente às vezes
viva.


JOGO DE RAPINAS

Os abutres têm bicos por espadas,
o homem as abriga em sua língua,
as afia com o veneno acre do verbo
e segue o trajeto
que fende a epiderme do abraço.

Tenho vivido sob o barulho
dessa armação hostil que me transporta.
Hoje me desgarrando
desse jogo de rapinas
traçado no reverso de qualquer etiqueta.

Me disponho a recolher os estilhaços de minha seiva
neste arroubo de horas sem minutos.
Hoje sussurro ao pulsar de minhas veias
que não quero me encaixar em nada,
em ninguém
em nada.


SACRILÉGIO DE INCENSOS

Eu não estampo na minha testa
um símbolo com cinza
para lavar diante de seus julgamentos
meus pecados.

Eu não toco as portas das almas
nem profetizo lançando pedras

pelas ruas.
Não visto a batina de poeta,
não me sinto ungida
e com licença
de marcar com uma cruz
cada tropeço.

Sou dessa espécie curtida,

densa,
que enfurece seu sangue enquanto pulsa
e amassa o músculo quando roda.
Reconheço o incensário
que abriga cobras cascavéis.
Pressinto o veneno, a fogueira,

assim como a horda,

que cingida às túnicas de rendas,

balança elos
e expele suas toxinas com incensos.

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