5 Poemas de Nidia Marina González Vásquez (Costa Rica, 1964)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Nidia Marina González Vásquez (Costa Rica, 1964).Poeta e artista plástica. Professora da Universidade da Costa Rica. Membro da Associação de Escritores Costarriquenhos e do coletivo Ceniza Huetar. Livros publicados: Cuando nace el Grito (1985), Brújula extendida (2013), Seres apócrifos (2015), Objetos perdidos (2015), Bitácora de escritorio y otros viajes (2016), La estática del fuego (2019). Além disso, publica a narrativa Árbol de papel (2020). Em 2021 ganha a primeira edição do Prêmio “Corina Rodríguez” da Universidade da Costa Rica. A New York Poetry Press publicou Zurda em 2022 e venceu o I Concurso Latino-Americano de Poesia Marta Eugenia Santamaría com o livro Anamnesis, publicado no mesmo ano pela mesma editora.


PRINCÍPIO DA FÉ

Diariamente eu preciso
de um pequeno altar para a sombra,
do abraço ínfimo das borboletas
e de um fósforo para acender o sol.
A minha mão esquerda nunca foi amarrada nas costas
ninguém me disse que sua tinta era canhota
sempre achei que seu defeito era não se conformar com a calma
e que a sua torpeza era inata.
Eu não sou culpa da água
ou da névoa e sua irmã, a Garoa.
O comprimento de meus dedos não tem culpa
da música sem partitura nos fonemas.
Nada de mistério ou feitiço.
As cerimônias simples dos solstícios,
magia branca, entalhe
e falta de juízo, sem a menor dúvida.


ONTOLOGIA DO PRANTO

Nomear é invocar,
fazer com que a imagem toque a nossa epiderme e ultrapasse as sombras que a desfocam.
Nomear é mergulhar na memória
que chega acorrentada a um grito quase inaudível.
Ao ritmo de uma jovem que eu fui,
o de um xamã que fui, guerreira, um menino ou uma velha.
Pode ser que invoque o nome esquecido da menina que se perdeu no deserto do Atacama: Eluney, Sayen, Ailin ou apenas Ana.
E Marina multiplicada e reduzida a um corpo,
a um ruído constante no ouvido esquerdo que se choca com as rochas do deserto,
a vários séculos de distância ou a uma mordidela de tempo.
Centro de muitos centros que se procuram em espiral, entre o esquecimento e o que se vê
(quase epiderme)
Invocar a nota, rabisco que recupera a voz,
invocar o citrino que me falta, as pedras que perdi na Cidade do México,
e sob a superfície do ruído: uivar, latir, gorjear, miar.
Chorar também é nomear aquilo que não sabemos como se chama.


É POSSÍVEL VER MELHOR QUANDO HÁ NÉVOA

Na altura de meus anos,
a morte já levou uma pequena multidão de seres amados.
A partir daqui aprendi algo sobre a arte da domesticação:
domar o gozo, o medo, a morte, o amor.
Mesmo que abrandar a consciência nada impeça,
apenas adiciona algum brilho em boa medida.
Domar a vida não consegue afastar a morte,
Despe-a para facilitar andar com ela.
Abrir janelas de fumaça,
acima do fogo crepitante
entre estar confortável e sentir frio.
A névoa pode ser capaz de esclarecer tudo.
Passa pelo olho de uma agulha
– névoa igual a fumaça –
passa o sol inteiro e minúsculo cortando arestas em seu véu de partículas.
Atrás da colina onde acaba um país e não necessariamente começa outro,
a névoa vem do fundo do ar e toca tudo.
É possível ver melhor quando há névoa
apesar de algumas afirmações em contrário.


SUPOSIÇÃO

É possível que encarnar seja uma decisão ponderada.
Pode ser que alguém escorregue precipitadamente
sem razão ou vontade,
do ventre da mãe mal esboçado.
É quando a respiração muda de líquida para seca de uma só vez,
e a água escorre por entre os lábios que mal emergem
desprovidos de palavras.
Quando a ternura se instala, ela medeia a suspeita de um propósito preconcebido
mesmo escrito em uma folha,
mas igualmente propenso ao esquecimento.
Talvez seja um salto para o reverso da certeza.
Ou finalmente seja possível ouvir entre as pedras o coro dos fósseis,
claramente decodificado.
Então,
um pouco mais adiante no beco,
ao lado da ternura e das manchas que a contradizem,
é possível perceber que morrer “não é coisa do outro mundo”


CAOS ORDENADO

Desordeno a ferida bem no centro,
onde o tempo pesa como uma bigorna inevitável.
Desarmo as pontas, puxando os fios mais finos para que se desfiem
e tudo o que foi costurado se desfaça.
Agito, desordeno, desfaço.
Para deixar de morrer nas intenções,
escadas abaixo o precipício iniciático do corpo.
Já sem escoltas, cada vez mais sozinha e mais no comando de tudo.
Bem no centro da ferida o furacão mantém seu olho sossegado.
Sacudo, sacudo, e tudo se transforma em pó sem vida,
o peso encontra sua leveza de espuma,
o olho seu raio de luz.
Pressinto meio cega: certa vida, certa pausa,
certas mãos amorosas que tecem o que eu descosturo.

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