Anna Apolinário (João Pessoa, 1986) Pela graça de Deus, ou do Diabo, é poeta. Publicou os livros Solfejo de Eros (CBJE, 2010), Mistrais (Prêmio Literário Augusto dos Anjos Edições Funesc, 2014), Zarabatana ( Patuá, 2016) e Magmáticas Medusas ( ARC Edições, 2018). É organizadora do Sarau Selváticas de autoria feminina (@sarauselvaticas).
Sinfonia Imaginária
Ela põe um beijo fálico
Em minha face, lira líquida
Traz um sino de vertigem
Jubiloso sigilo
Vejo esse ganido na madrugada:
é um demônio verde a levantar meu vestido
Emudeçamos todo desassossego
Com árias dadaístas
Um canto corpóreo, partitura de agonias
O noviciado do gozo, xamanismo
Está escrito no Livro primeiro do uivo que iluminou Buda:
minha vênus profética vulvando em teu falo que confabula
O inventário do tempo
Foi comungar no Cabaré Místico
É teu verso?
Delira-mo
Sem paletó de poeta pixote
Derrama teu inaudito vinho, menino lírico
Azulei para um verde em dó maior
Encontre-me aquém do verbo
Os ciganos esconderam a Loucura
No espartilho da musa
Um piano turbulento anuncia
O êxtase dos anjos, canção apocalíptica
Sob o dossel do silêncio
Vejo-o enfim átomo
Infinito unido ao balé de meu delta
Os olhos do Sonho solfejam o delírio:
uma sinfonia imaginária para o amante metafísico
Selvática
Morder a polpa da palavra
Violentar o verbo
Açoite
Até que o rubro escoe
Atingir o cerne
Com sabre, punhal
Lacerar o arco e a lira
Alvo metafísico
Colisão cáustica
Matilha sádica
Eu quero o aborto
Da aurora boreal
A Pianista
A tua voz de incendiar pássaros
Traça surtos escarlates
Na minha sanidade
Ruflam solos ensolarados
O céu erupciona
Um pecado ruivo
O mar sangra seus diamantes
Felina ametista
Um rugido índigo retine
Nas esporas da angústia
Magmáticas Medusas
Nas madrugadas frias de julho
os pés nus tateiam a casa em ruínas
a pancada do sangue nas artérias
é quase audível
a loucura é uma pedra espessa
um diamante movediço
rebrilhando
coração eriçado
dentro da escuridão
Um verso de Herberto
vórtice, açoite
no leito ladeado de
abismos
os rostos, espectros
de singular agudeza
a música sobe
estrangula estrelas
Às três da manhã
meu olho esquerdo trepida
em contínuas ondas
de cortisol e adrenalina
as pálpebras cerradas
os pulmões em brasa
o corpo saindo
do centro gravitacional
pernas e quadris tecendo
o terremoto áureo
o desenho dos lábios dela
serpentiforme
língua vândala na vulva
vertendo magma
veias abertas
e os cornos em riste
“Eu prefiro você assim,
Vulcão”
Estudo para um Delírio (Mozarteando)
Ás cinco horas de uma tarde nua e aprazível
Nas veredas do Ponto de Cem Réis
Cá estou a bebericar de meu café cortês
A garçonete me aparece em andrajos de sereia
Sibila-me o verso, ó peixe onírico!
Nobre gota de céu marejou meu olho infante
É Mozart no passeio público
Interrompe seu tropel místico
E vem ter comigo
Ai de mim que não sou poeta!
Acendeu minha cigarrilha
E me trouxe um Blues muito lascivo.
Parabéns,Ana Apolinário.Seus poemas são muito bons, urdidos e tecidos com um estilo próprio,muito embora lembre muito Clarice Lispector,Cecília Meireles e mitologia e filosofia grega. Estou lendo o livro de Valquíria Lins( Humus), e da sua obra pretendo ler Mistrais.Nao costumo ler muito e tenho poucos livros.Estou refazendo aos poucos a minha biblioteca e espero encontrar nos sebos livros seus.Geralmente as mulheres não costumam escrever bem,essa é a real,e vc é a excessao da regra em João Pessoa.Acho que és a melhor poetisa daqui.Ja do lado masculino dizem que é John Moreira e um poeta de Campina Grande.Continue assim.Eis a minha opinião.
Alex Roque