Entrevista concedida a Julie Dorrico, março de 2020
Produtora Cultural, Pesquisadora, Poeta e Escritora, Atriz formada pela Escola de Teatro Martins Penna, Técnica em cinema registrada MT. Embaixadora da Paz pelo Cercle Universel des Ambassadeurs de la Paix – Suisse/France, Membro da Associação Internacional de Poetas, Membro do InBrasCI (Instituto Brasileiro de Culturas Internacionais). Acadêmica da APALA (Academia Pan-namericana de Letras e Artes). Membro ativo na Ressurgência da etnia Puri, Auditora Tecnóloga Fiscal e Tributária (formada pela Universidade Gama Filho). E-mail: [email protected]
1 – Zélia é escritora do povo Puri. Zélia você possui um discurso muito acentuado no discurso da autoafirmação indígena. Fale-nos do seu processo de autoafirmação e de como ele é importante para outras/outros indígenas que não se declaram ou que estão nesse processo de descoberta da identidade indígena.
Na verdade meu discurso nasceu da minha própria necessidade de afirmação identitaria. Quando não se tem identidade, não se tem base e quando não temos base vivemos suspensos no ar, sem pertencimento e com isto, somos apenas folhas jogadas ao vento.
A identidade é a base de tudo e a autoafirmação veio quando comecei minha busca pelas minhas raízes. Nessas buscas, encontrei aquilo que me faltava e que preenchia o espaço vazio e me assombrava. Eu tinha uma identidade, eu tinha uma estória, eu redescobri meu e apoderei desse pertencimento, mesmo me sendo negada a identidade, eu a tenho e é por isso que luto… pelo direito de ser quem sou!
2 – As obras Amor em pecado e Descaminhos são obras que tematizam a sua identidade e cultura?
Minha “identidade” poeta me abraçou muito antes de minha identidade indígena, e a poesia sempre habitou minha alma. Descaminhos são textos capturados dos “alfarrábios” de minha adolescência. Ele não tematiza minha identidade e a cultura especificamente, mas passeia e valoriza muito o sentimento e o “Ser”, que mais tarde pude comprovar que está visão já fazia parte do meu veio indígena. O Amor em Pecado, é um romance, foi escrito quando ainda tinha um “buraco” de insatisfação no peito”, e acalentava a alma escrevendo estórias de amor. Além destes tenho outros, como “Os Sentimentos Cronicados”, todo realizado em crônicas e mais três de poesias, inclusive na língua Puri, que ainda aguardam o momento para serem lançados.
3 – A Coleção Semear traz várias autoras do povo Puri. Essa obra tematiza a cultura indígena. Fale-nos um pouco da sua participação da Coleção.
Quando surgiu a oportunidade de fazer um livro para trabalhar com as crianças, achei que seria interessante não fazer apenas meu livro, mas vários livretos e assim nasceu a Coleção Semear, com a intenção específica de semear um pouco da cultura Puri. Procurei colocar na Coleção um pouco de cada tema e assim temos: Contos & Causos, histórias infantis, histórias prá cantar, vocabulário, Falas e cantos em Purí/Portugues e uma antologia. Meu livreto a Poesia em Movimento, são textos/músicas, que trabalho nas oficinas, que é um trabalho bem voltado para a cultura nativa, nosso meio ambiente e as ações/sentimentos do ser humano.
4 – Além de escritora, você é ativista, produtora cultural, atriz, pesquisadora audiovisual. Conte-nos um pouco em que projeto está trabalhando atualmente.
Acho que nasci poeta/escritora, escrevo desde criança, amo escrever! O teatro sempre foi um sonho, que realizei através da Escola de Teatro Martins Pena. Hoje percebo a importância deste conhecimento, pois utilizo o que aprendi nas Oficinas e Palestra que realizo, como parte do meu ativismo cultural e resgate da identidade Puri. Atualmente tenho palestrado muito em universidades, escolas e Museus sobre esse assunto.
Todo escritor é um pouco pesquisador, até pelas necessidades do trabalho e isso se amplia quando você atua na área de audiovisual. Trabalho com produção de cinema e televisão, e inclusive dirigi o documentário “Puky Na Thamati” (Puris bem vivos) apresentados na exposição “Dja Guata Porã: o rio indígena que desaguou no MAR” no Museu de Arte do Rio de Janeiro em 2017/2018. Também fiz produção executiva do documentário Krenak – Sobreviventes do Vale, apresentado no canal Futura. Atualmente trabalho em algumas frentes e oportunidades que foram surgindo como a consultoria e pesquisa para implantação de um centro de referência indígena. Também estou finalizando dois artigos para revistas acadêmicas sobre a identidade e ancestralidade. Participo de uma página na internet apresentando um sarau poético, para amenizar na quarentena. Paralelamente a isso, continuo meu trabalho no audiovisual, realizando consultoria e acompanhamento de projetos e prestação de contas. Nas horas vagas me dedico a pesquisa para o projeto sobre os indígenas viventes no contexto urbano que pretendemos fazer uma série.
5 – Você integra o Leia Mulheres Indígenas, que procura divulgar as escritoras indígenas no país. Fale-nos quais as estratégias você procura desenvolver para divulgar o projeto.
Todo projeto que participo, sempre procuro divulgar nos grupos que participo e em minhas redes sociais. Nos encontros, feiras e eventos que participo, sempre apresento o projeto e peço que divulguem.
6 – O mês de abril é bastante conhecido no cenário nacional por celebrar o Dia do Índio. O que muda para você nesse mês em termos de participação de eventos? Nos demais meses do ano há interesse dessa demanda nas atividades artísticas que você desenvolve?
Atualmente os convites para palestras aumentaram em relação ao período anterior. Normalmente nos meses de abril e agosto nos convidam para realizar oficinas e apresentações nas escolas. Fora este período os convites são escassos.
7 – Como palestrante você se depara com preconceitos históricos lançados aos povos indígenas? Quais são os mais comuns? O que dizer a eles?
Sim, sempre tem uma “piada de mau gosto”… como aquela pergunta: Você não vai se “vestir” de índio? E eu sempre respondo com tranquilidade e um sorriso: Não me “visto” de “índio” porque já nasci indígena!
O fato de ser poeta, escritora e viver na cidade também é um grande diferencial, ainda existe aquela pergunta: Você é índio de verdade???? Quando respondo que sim, acrescentam: Mas você mora na cidade? Eu rio e respondo: Sim, sou indígena, moro na cidade e sou poeta… não é a “oca e o cocar” que diz quem sou!
Nativo Eu Sou
Desta terra sou nativo
Não sou índio não senhor
Isso é pejorativo
Vivo aqui com muito amor
Muito tempo se passou
Tivemos que transmutar
Falando a mesma lingua
Para nos comunicar
Hoje nós evoluímos
Como a vida nos levou
Aprendemos muitas coisas
Mas ainda sou quem sou.
Indo de carro ou a pé
Com telefone ou tambor
Pelado ou vestido
Mas ainda sou quem sou
Sou nativo desta terra
Daqui não saio não
Eu também sou brasileiro
Já estava aqui primeiro
Disso eu não abro mão