A Mulher Indígena Escreve com Várias Vozes – Entrevista com Auritha Tabajara

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Entrevista concedida a Julie Dorrico em abril de 2020


Sou Auritha cordelista,
Nasida longe da praia,
Fascinada pela rima
E melodia da jandaia,
No Ceará foi a festa,
Meu leito foi a floresta,
Nas folhas de samambaia.

Francisca Aurilene Gomes, nasceu num pequeno interior do Ceará, em casa pelas mãos de duas sábias parteiras, avó Francisca Gomes e Antonia Portela. Primeira neta dos avós maternos e por essa razão o nome ancestral de Auritha o qual assina suas obras literárias, cresceu ouvindo as lindas histórias de tradição contadas por sua avó. Apaixonada pela rima escreve desde que aprendeu a ler e escrever. Atualmente mora em São Paulo, é Terapeuta Holística em ervas medicinais, contadora de histórias indígenas, palestrante e oficineira. Seu primeiro livro foi editado e adotado pela Secretaria de Educação Basica do Estado do Ceará tem como titulo: Magistério indígena em versos e poesias. Tem vários textos em cordéis publicados nas antologias indígenas, em revistas online como: Maria Firmino dos Reis e IHU. Sua mais recente publicação, Coração na Aldeia pés no Mundo. Auritha é a primeira mulher indigena a publicar livros em literatura de cordel no Brasil.


1 – Auritha é cordelista, poeta do povo Tabajara. Publicou em 2019 a obra Coração na aldeia, pés no mundo, pela editora UK’A. Apesar de a obra fazer muito sucesso, você já escrevia antes e tem outros livros publicados. Fale-nos desses outros livros.

Bom eu sempre gostei de escrever desde quando aprendi ler e escrever, meu primeiro livro foi organizado editado e publicado pela (SEDUC) Secretaria de Educação do Ceará, em 2007, e tem como título Magistério Indígena, em verso e poesia. Em 2010 publiquei pela Secretaria de Cultura do Ceará um folheto com o título Toda luta e história do povo Tabajara e, em 2019, os folhetos: A grandeza Tabajara e A sagrada pedra encantada. Tenho vários textos publicados em antologias indígenas e alguns em revistas online.

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2 – A obra Coração na aldeia, pés no mundo é autobiográfico. A escrita literária indígena mescla história, vida pessoal e identidade coletiva. Fale-nos da sua vinculação com o seu povo e como isso aparece na sua obra.

Eu nasci e cresci na aldeia. Então a base de quem sou hoje aprendi vivendo, ouvindo participando e conversando com os velhos da aldeia, principalmente com minha avó que é parteira, benzedeira, contadora de história e mesinheira. Como ela diz, tudo passa. E para que outras gerações conheçam é preciso não somente escrever, mas é necessário publicar.

3 – Fale-nos do seu processo criativo. Como é a sua rotina de escrita.

Eu não tenho uma rotina de escrita eu escrevo quando vem as inspirações. Gosto muito de escrever de madrugada porque há silêncio na maior parte do mundo. Ou olhando pra lua. Na aldeia eu escrevia sentada na areia à noitinha ou sentada na raiz de uma árvore. Aqui na cidade me sinto um pouco bloqueada, preciso de uma concentração maior. Quando estou junto aos outros parentes me fortaleço espiritualmente, aí volto a escrever com mais frequência. Eu costumo dizer que a mulher indígena escreve com várias vozes: a voz da terra, da natureza, da água, dos pássaros, do vento, da chuva, dos animais; escrevemos com as vozes ancestrais.

4 – Além de escritora você atua como contadora de histórias. Quem te inspira na contação de histórias?

Como falei no início, minha avó é minha maior referência, mas estudo e pesquiso outras mulheres indígenas e não indígenas também.

5 – O mês de abril é conhecido no país em decorrência da celebração do Dia do Índio. O que muda para você enquanto artista/escritora/contadora de histórias nesse mês?

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Na verdade esse ano mudou muito por conta da pandemia. Nos outros anos aqui em São Paulo é o mês que mais sou chamada para atividades. Nas aldeias, pensando na verdadeira história dos povos indígenas, é um mês comum de lutas, de conscientização em busca do respeito e valorização da cultura dos povos.

6 – Você se depara com estereótipos na participação de eventos nos dias de hoje? Quais os mais comuns ou o público com que você lida não repete mais os preconceitos aos povos e sujeitos indígenas?

Olha eu não tenho cabelos lisos. Para poder fechar eventos, principalmente em escolas, tive que alisar o cabelo. Então descolonizar esse pensamento de que o indígena tem que ter a mesma cara, ainda é muito difícil. Mesmo assim eu decidi que não vou mais alisar meu cabelo, algo dentro de mim não aceita mais, então me comprometo a enfrentar esse novo desafio, vamos ver no que vai dar.

7 – Esse ano de 2020 fomos acometidos pela crise na saúde pela Covid-19. O que mudou para você com a suspensão das atividades na cidade de São Paulo?

Eu vivo da arte da literatura e contações de histórias, então está sendo muito difícil. Tenho a sorte de ter pessoas maravilhosas que tem me ajudado emprestando dinheiro para pagar o aluguel, divulgando meu livro, não tenho reserva financeira nenhuma e assim a cada dia vou vivendo, refletindo, porque sei que é tempo de aprendizado, as contas a gente dá um jeito depois que tudo isso passar, porque vai passar!

8 – O Leia Mulheres Indígenas é um projeto que busca difundir as escritoras indígenas na cultura do país. Fale-nos quais atividades você pensa em realizar levando o nome do Leia Mulheres Indígenas.

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Olha, nós mulheres indígenas temos que ser muito gratas à idealizadora desse projeto Julie Dorrico. Sou sincera, ainda não tenho um projeto pronto, mas aberta a ideias que possa levar esse lindo projeto em uma dimensão maior.

9 – Você gostaria de indicar outros escritores indígenas para nossos leitores?

Bom, somos muitos e muitas escritores e escritoras indígenas no Brasil, cada uma trazendo a sua escrita dentro da sua riqueza cultural. Recomendaria conhecer o máximo que puder dos livros escritos por nós, indígenas, para entender o grande universo que é a diversidade de cada povo.

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