5 Poemas de Armando Romero (Colômbia, 1944)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Armando Romero é um poeta formado nos anos 1960. A irreverência diante da tradição, o coloquialismo e um certo gosto pela metáfora surrealista são marcas da poesia latino-americana daquela década e influenciaram os primórdios de Romero na época em que, muito jovem, cerrou fileiras no movimento nadaísta que em Cali, sua cidade natal, teve Gonzalo Arango e Jota Mario Arbeláez como seus principais mentores. Essa não era, entretanto, a rota que ele faria. Separado do nadaísmo, ele inicia uma busca independente, mais pessoal, que logo é influenciada pela vocação e uma inclinação do narrador cosmopolita que o leva a confrontar continuamente sua experiência com a de poetas e grupos dos países onde viveu.

Para tentar caracterizá-lo, direi que o poema de Armando Romero não é um poema em que ele sempre assume a voz cantante de quem se sente ator de sua própria experiência. Ele não é o poeta narcisista tão predominante nos últimos tempos; mas o realista se interessa mais pelos fatos do que por si mesmo, sem negar a carga de subjetividade que introjeta em sua linguagem, a partir de sua posição de locutor do poema. Memorioso até o barroquismo e em cada um de seus atos, Armando Romero é o tipo de poeta que busca resgatar-se na imagem perdida da infância. Mas ele vê o poema como uma matéria que reflete a atividade inconsciente na qual o homem comum é reconhecido e como um ato mágico pessoal, como um ritual e uma epifania. E mesmo que utilize uma linguagem elíptica e algumas chaves para decifrar o poema, o leitor nunca encontra dificuldades de atendê-lo que não possam ser corrigidas com uma leitura atenta, da única forma que a poesia se torna compreensível, isto é, através das palavras. Romero, sem dúvida, pode ser considerado um poeta narrativo que usa as palavras de uma conversa comum. Poeta narrativo pela forma e lírico pelos sentimentos que expressa. Isso pode explicar por que ele não faz distinção entre prosa e verso e que combina ou alterna ambas as formas em seus livros, sem qualquer preconceito ou intelectualismo. A prosa a serviço do poema conduz a uma condensação extremamente elíptica, por vezes surreal ou automática, cuja concisão, não estando a serviço do linear, equivale ao uso do verso livre. Na linguagem transgenérica de Romero, as fronteiras das formas são dissolvidas para favorecer uma comunicação poética aberta onde o menos importante é a definição genérica do texto.

O humor e o absurdo, tão sutil e habilmente manejados por Romero na narrativa e na poesia, não só revelam recursos literários extraídos da experiência surrealista, mas também revelam situações próprias do imaginário fantástico e realismo mágico que apaixonam a este autor, que também está presente no seu modo de ser. A esse respeito, pode-se dizer que não é a forma que determina o caráter de seus sujeitos, mas que são eles que propõem a forma como devem ser tratados.

Por isso, não há dicotomia para alguém como Romero, qualquer que seja a forma que use, identifica a vida com a poesia. A coerência disso deve ser buscada em seu próprio universo. Portanto, podemos concluir dizendo que Armando Romero não é um narrador que escreve poesia ou vice-versa. Ele é o tipo de escritor que tem o orgulho de saber sempre se posicionar no topo dos gêneros.

JUAN CALZADILLA


Como poeta e narrador, tive a sorte de compartilhar o entusiasmo, a raiva, as ilusões e a inocência da geração de 1960, que em nossa versão colombiana teve um grupo estelar: o Nadaismo, onde estão poetas de maior estatura como Jotamario Arbeláez, Jaime Jaramillo Escobar, Eduardo Escobar, Amilkar Osorio, entre outros. Minha filiação geracional, nadaísta, com tudo que soasse de vanguarda, em uma resposta violenta contra a violência dos homens de poder, me levou a sentir uma afinidade por aquele grupo de poetas e escritores que de diferentes ângulos desafiaram a sociedade conservadora fascista e reacionária que nos dominou. Não importava sua inclinação política, o importante era que os poderes instituídos fossem desafiados, seja no artístico ou no social. Os nomes na América Latina, ampliando o escopo, poderiam ser embaralhados de Macedonio Fernández, Borges, Vallejo, Huidobro, Paz para a geração posterior, o povo de Mandrágora ou poetas como Gonzalo Rojas no Chile, da Poesia Buenos Aires (Bayley, Aguirre, Madariaga) ou surrealistas declarados e maravilhosos como Enrique Molina ou Aldo Pellegrini, na Argentina. Na própria Colômbia, Alvaro Mutis é uma voz central para mim, assim como alguns de seus companheiros de geração, Jorge Gaitán Durán, Fernando Charry Lara, Rogelio Echavarría. Também a voz de César Moro no Peru, e do outro grande César Dávila Andrade no Equador, os venezuelanos Vicente Gerbasi, Juan Sánchez Peláez, Ramón Palomares e as pessoas de lá tão próximas, tão amadas, do movimento El Techo de la Ballena, Juan Calzadilla, Carlos Contramaestre, Ludovico Silva, Caupolicán Ovalles, e já ao norte, os grandes poetas da Nicarágua, aqueles que fizeram do verbo de Darío uma realidade geográfica, Carlos Martínez Rivas, Pablo Antonio Cuadra, Coronel Ortecho e Roque Dalton em El Salvador, e no México das grandes águias e poetas espinhosos como Jaime Sabines, Efrain Huerta, o povo de La espiga amotinada, e é melhor parar de contar porque há muitos mais. Devo falar da importância da poesia brasileira, de como ordenhamos com delicadeza aquelas poucas revistas ou publicações que nos trouxeram a voz de grandes e maravilhosos poetas daquele lado da nossa realidade: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes. Os anos mantiveram todos os afetos firmes, com poucas exceções, e expandiram a lista, embora, à medida que nos aprofundamos no claro-escuro de nossa própria retórica, começamos a ver mais com o espelho de Narciso do que com o espelho de Alice. No meu caso particular, minhas inclinações para a poesia narrativa, para o poema em prosa, me colocaram em uma direção bastante direta com o referencial do poema, embora minhas histórias, aquelas que vão além do poema em prosa, se voltem para um barroquismo complexo, com um jogo idiomático e sintático, com uma estrutura livre e anárquica. Talvez seja por isso que minha afeição pela poesia pode ir além das linhas tradicionais que os poetas traçam ao seguir as coordenadas de sua própria poesia.

ARMANDO ROMERO


STRIPTEASE

Às vezes eu penso que a vida vai despindo tudo.
Eu, pelo menos, fiquei sem aquele sapato que
caminhou pela sétima avenida de Bogotá uma noite
saída do interior de um tempo diluído pelas esperas;
a jaqueta de couro, de procedência duvidosa, despedaçada
no respaldar do bar onde o boêmio infiel empalidecia
de conhaque todas as noites; uma camisa que não havia
pintado Rolf, o alemão, acabou como trapo sujo em
um apartamento em Valle Abajo; as minhas calças de
vaqueiro morreram congeladas nos ermos de Mérida
com a braguilha ainda em perfeitas condições; um resto
de bala no peito tinha a camisa listrada quando a perdi
de vista em Puerto La Cruz; os calções acabaram
servindo de cama para Agapi, o gato branco de
Sebucán. É estranha esta vida que nos despe e
Veste de outro, tempo após tempo.


JURUNGA A CAVERNA

Noite de baquetas em Barlovento e tambores e vento verde pelas ruas e praças. Procurei em todos os cantos a máscara que se ajustasse ao meu rosto, mas não a encontrei. Eu vagueio até o barco dos corpos com o quadril limpo e os gritos e a música. Tem que estar lá na escuridão dos arbustos ou na lataria de cerveja espalhada na calçada. Não pode ser uma máscara igual à outra, que deixei em casa. Tem que ser esta: riso abafado e o cabelo cortado em dois por uma navalha. Ou esta: de boca aberta o suficiente para pedir ajuda.


ESPINHO

Há um espinho que foi colocado bem onde devo sentar para ir trabalhar. Está lá todos os dias e não importa o quanto eu tente, não tenho como tirar. É claro que desisti do trabalho. Era mais importante refletir sobre a coluna. Eu ando pelas ruas diariamente e só rio quando encontro outros que assim como eu, já são muitos, também encontraram um espinho onde tinham que sentar para ir trabalhar.


O DO RELÂMPAGO

A Gonzalo Rojas

Como foram rápidas essas mãos para tocar a luz, assim como os olhos para deixar constância do que viram. Já não recordo se foi em Nova York, Caracas ou Chicago, onde o vi com essa lanterna virada para dentro, brava contra a página em branco, queimando-a com seu grafismo. Furioso de alegria dava renda solta a uns potros a galope por entre os lagos do sonho e da realidade. Por vezes imaginários correndo e se despindo, em outras submetendo-se ao rebuliço de um diálogo inaudito.


DO AR À MÃO

Cada vez que ele joga
cai, justo,
no centro do mundo.

OCTAVIO PAZ

Enrolava lentamente de modo que a corda
Não ficasse uma sobre a outra a cada volta.
Na mão
Ficava contra a curvatura dos quatro dedos longos
Enquanto o polegar o sustentava por fora.
Um extremo da corda amarrado ao dedo central.
Olhava para si mesmo.
Os nervos tensos.
E se lançava no ar
De tal forma que quando ia chegando ao chão
Um leve puxão na corda o fazia retroceder
De volta à mão.
Todos olhavam e havia um belo orgulho em seu porte.
Com ele na mão, girando.
Jamais o consegui.
Já o atirei uma e outra vez
Porém em vão.
Poderei escrever este poema?
Há uma solução para cada resposta.
Certamente.
Porém nunca pude atirá-lo do ar à mão.
E é tudo.

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