4 Poemas de Eduardo Mosches (Argentina, 1944)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Para Eduardo Mosches, a notação faz parte da crônica da vontade do desejo na pele. O criador para ele se apresenta como um revelador que desvenda um canal, e o rio sem margens é aquele humano que nada até o centro do rio (…ou é arrastado ou flutua ou tenta atravessar, cruzar) tomba horizontalmente ao cruzar: ponte ou túnel exercita uma maneira singular de afundar e ricochetear, atravessando as correntes.

Às vezes Mosches toma a forma do infinito com uma máscara, como se tudo já tivesse sido dito, ou tudo já tenha sido feito sob o sol, e com uma infinidade de etc. lhe dá o sabor de quem tira a cada dia o acumulado nas unhas. Rimas insólitas, um pedaço de atum entre os dentes. Ou um jardim na cavidade do dente onde se enraizou uma palavra que acaba sangrando.

A realidade, de cores imbatíveis, para ele parece um trânsito que culmina em uma experiência estética e revela constantemente a dúvida como um mistério. Viajante que é uma garrafa no mar, o naufrágio provocado pelo próprio encontro é inerente. Lente ou olho, história ou materialismo, o poeta é aquele que flutua: um nadador em alto mar. Porque neste rio tudo é mar, princípio e fim.

ANDRÉS CISNEROS DE LA CRUZ


VIAGENS CURTAS

Pisando nos trilhos de aço do bonde
onde eu subi com calças curtas,
olhei pela janela com moldura de madeira
para tantas pessoas caminhando que anos depois
fariam parte da história da dor,
uma sequela de esperança,
alguma bandeira queimada que voa,
e um beijo úmido na língua da vida.

Tantas fatias de pizza comidas
na frieza do tempo que passou,
quanto vinho caindo nos interstícios dos paralelepípedos,
filhos daqueles que foram atirados contra um uniforme azul.

Algum cavalo caído relincha
enquanto em outro lugar
uma mulher estava gritando de dor
o sorriso de uma criança ao descobrir o giro lento do carrossel
e seus cavalos de madeira de olhos grandes e fixos.


UNINDO ESTRADAS

Aqueles paralelepípedos e trilhas abandonadas
eles se juntaram a outras estradas, em outra cidade.
Unindo aquelas ruas distantes e próximas
criando uma única em minha própria caminhada.

As ruas, essas linhas quase sempre retas,
elas estão unidas em um pacto de cidadão,
sem levar muito em conta
a filiação nacional.

Do surgimento festivo e iluminado de Rivadavia
até o fluxo intenso de uma Insurgentes
em estreita união com o caminhante
que entre sirenes de emergência
segue tatuando em minha pele
a existência de duas ruas e meu mundo.

Talvez seja possível encontrar descobrir
alguma galeria não comercial
que entrelaçando em dilatado túnel
me leve a uma viagem de ida e volta
(à maneira de Cortázar)
para ambos os lugares e em momentos diferentes.

Os corpos e as memórias
foram se desgastando ao longo
de anos transcorridos
no que foi um exílio
com as lembranças e saudades de um mate matutino
e, mais tarde, esse aroma intenso de milho
criado pelo fogo e sua chama.

A proximidade com o que amorosamente
aconteceu ou o seu oposto
pode nos levar sem que o percebamos
a tropeçar nas dunas da vida.


VACILAÇÕES

A cidade da minha infância
faz com que a memória vacile
as imagens se mesclem
passadas e atuais como em um quebra-cabeça
com os cantos lascados pelo tempo.

Eu me encontrei com meu tio e seus 90 anos
como uma foto próxima e dolorosa
da memória de meu pai
nós falamos com nossos olhos
acariciei suas mãos
eu as embalei um pouco entre as minhas
sorrimos
e deixamos a conversa para amanhã.


MEMÓRIA DO RIO

O grande rio marrom escuro,
com pequenas ondas e muitos peixes,
cria na gente que mora perto ou um pouco longe,
o momentâneo,
a fluidez e algum esquecimento.
História que envolve sem compaixão.

Aquele rio sem culpa
em décadas passadas e doloridas,
foi usado como cemitério humano.

Hoje como antes
pescadores acomodam
sua paciência junto com os peixes.

Salta o fio de algum abrigo
evocação da história,
a que não vem dos livros, mas desse túnel
às vezes escuro, ou iluminado, com os reflexos
que explodem ao descobrir na memória
da própria vida.

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