por Aristides Oliveira e Eduardo Djow
Desde o início desse projeto que estávamos à procura do Leo Punk para falar sobre suas experiências com a sonoridade punk. Finalmente o encontramos! Nessa conversa, Leo afirma ter se transformado. Com todos os aprendizados que a vida trouxe, as mudanças são fundamentais para viver o presente, mas nunca esquecendo as suas raízes…
Meu nome é Leonardo de Freitas Melo. As pessoas me conhecem como Leo Punk.
Sou tão apaixonado pelo movimento punk, que meu primeiro filho (mora em Teresina) é Joe Ariel. Joe em homenagem ao Joe Ramone (dos “Ramones”) e Ariel, que montou a banda “Restos de Nada”, uma das bandas que mais gosto no Brasil.
Nunca me arrependi de ser punk e continuo sendo punk.
Não tenho fé suficiente para ser ateu, isso eu coloco bem claro. Eu não vou negar hoje em dia que se eu me colocar com algum pensamento filosófico, seria um anarco-cristão. Continuo ouvindo o mesmo som dos anos 80/90 e começo dos anos 2000 e as mesmas bandas de quando tinha 13 anos de idade (época quando tive contato com o movimento e aos 9 anos conheci o rock assistindo “Rock in Rio” na TV) e jamais deixarei um moleque desaforado colocar o dedo na minha cara, porque eu sei o que foi viver o punk em Teresina.
Eu sei o que é sofrer a opressão da polícia e da própria galera do rock metida a radical.
Eu sei o que é invadir o 7 de Setembro, rasgar a bandeira do Brasil, protestar… E muitas vezes tive que fazer sozinho. Me aprofundei nas drogas porque o niilismo foi uma coisa que me prejudicou muito. A frase não é mentirosa: “punks not dead”. O sistema não conseguiu me vencer, não conseguiu me matar, não conseguiu me destruir.
As drogas não conseguiram me destruir porque existe um plano perfeito por aquele que me criou. Eu sei como escapei disso. Graças a Deus. Meu moicano nunca baixou.
Estou LÚCIDO. Estou sóbrio.
A primeira banda que toquei fui vocalista, depois toquei com o finado Bernardo em alguns ensaios com a “Nojo de Tudo”, “Tapurus”, com o Josué (Josh S.) [“Bode Preto”], Juliano [“Monasterium”], Fábio Crazy [“Narguilê Hidromecânico”]. Já abri o show do “Ratos de Porão”, que pra mim foi uma grande honra.
O punk me ensinou a respeitar, a não ser homofóbico, capitalista, machista, sexista, ensinou muita coisa.
Punks mais jovens acham que é preciso estar fardado, se vestindo igual. Punk não é isso. Existe uma diferença entre o pensamento de um e outro.
Passei muito tempo numa PRISÃO SEM GRADES.
Tive que matar meu eu para continuar sendo PUNK.
Nasci em São Paulo, mas cresci em Teresina ou Terehell. Sempre fui um punk solitário vagando entre as sombras do caos deste mundo doente e decadente.
Sinto saudades do MAKLINE, DO CARIOCA: ESSES CARAS SEMPRE ESTARÃO NO MEU CORAÇÃO.
A Melhor banda que existiu em Teresina foi o “VERME NOISE”.
A primeira vez que ouvi uma banda punk em Teresina foi o “GRITO ABSURDO”.
Pode parecer loucura tudo isso que estou falando, ou insanidade. Fui um cara insano. Fui viciado em drogas injetáveis, cocaína, crack, morei na rua, conheci o sistema carcerário brasileiro. Dentro da cadeia escrevia muitas poesias. Tive várias experiências ruins na minha vida, mas o espírito do movimento punk dentro de mim não conseguia morrer.
Com o passar do tempo, coloquei tudo no papel através de poesias e irei lançar um livro esse ano chamado “Meu lençol de papelão”, onde reflete a vida e a realidade das ruas. O Fábio Crazy produziu o “Estética Suicida”, que também retrata a vida nas ruas.
Sou um poeta de rua e coordenador de uma comunidade terapêutica, lidando com vidas.
Eu sei o que foi o sofrimento de ser um punk solitário em Teresina, mas graças a Deus estou vivo, ativo, ouvindo “Ramones”/Sex Pistols (as primeiras bandas que conheci), “Dead Kennedys”, “GBH”, “Brigada do Ódio”, “Olho Seco”, “Fogo Cruzado”, “Replicantes”, “Inocentes”, “Restos de Nada”, “Invasores de Cérebro”, “Cólera”, “Psicose”, “Ratos de Porão”. Sou fã de rock nacional: “Titãs”, “Plebe Rude”, “Legião Urbana”, “Ira”, “Camisa de Vênus”, “Detrito Federal”…
Nos anos 80 fiquei com vontade de conhecer coisas diferentes. Lembro que foi a partir de uma música do “Legião Urbana” (“Eduardo e Mônica”) que conheci “Mutantes”, “Bauhaus”, o que levou a gostar da música gótica (“Sisters of Mercy”, “The Cure” e o pós punk do “Joy Division”). Curto também o protopunk: “New York Dolls”, “Iggy Pop”, “The Stooges”, “MC5” e me apaixonei pelo rock inglês.
Do rock piauiense sou fã do “Demolidor” (da época do Zenon), “Megahertz”, Avalon, Scud, “Prós e Contras”, “Citoplasmas e suas mitocôndrias malucas”, “Asseclas”, “Fator RH”… Fui para os primeiros shows no Teatro do Boi, na época que ouvir rock na cidade era difícil.
Eu agradeço a tudo que ouço, por ter me transformado na pessoa que sou hoje em dia.
A primeira vez que comprei discos em Teresina foi na loja Bebop, na rua Areolino de Abreu. Eram poucas pessoas que andavam nessa loja. Lembro que tinha a loja do Zenon, que trazia muito material de trash e death metal.
O movimento punk em Teresina nunca evoluiu, sempre foi uma criança e sempre vai ser, mas existem pessoas maduras como o Djow e o Chakal, que gosto muito, bem como outros irmãos. Ainda bem que existe o Megahertz com o Kasbafy, Mike e a galera das antigas, como Emanuel e Zenon… Caras que, quando eu tinha 13 anos, já eram adultos. Acho que hoje devem ter uns 100 anos de idade, pois vou fazer 45!
Eles me incentivaram muito a ouvir rock. Nunca me criticavam ou tiveram treta comigo, pelo contrário, são pessoas que sempre admirei e admiro até hoje. Eles são a essência do underground no Piauí.
Era muito complicado ser punk no final dos anos 80 e até hoje é. Acho que não vejo punks em Teresina. Aí a gente começou a ter contato com o movimento anarcopunk por correspondência pelo Brasil, pegando o material das bandas e isso me fez ter acesso ao que falava do anarcopunk.
Depois eu me afastei por questões ideológicas. Nunca deixei de ser amigo do Makline, Vira Lata, Carioca, Bayaku, mas cada um foi para lados diferentes. Sempre fui muito punk para a galera do metal e fui muito metal para o punk em Teresina, por isso fiquei afastado.
Teve um período da minha vida que eu quis dar uma de “Sid Vicious”. Aí foi onde me compliquei no mundo das drogas. Quase chego à morte.
Chegou a cadeia, chegou a rua, as tentativas de suicídio, mas vi que isso era algo que me distanciou do punk. Para retornar… sou punk, mas não tenho fé suficiente para ser ateu. Acredito que o meu poder superior me livrou do mundo das drogas.
Hoje escuto bandas punks e de metal cristãs. Não existe no Leo Punk aquele espírito niilista, autodestrutivo. Eu não tenho que destruir o sistema e me destruir junto. Tenho que lutar contra o sistema!
Eu tenho direito de acreditar no que eu quero, certo? Acredito em Jesus Cristo.
Lutar contra o sistema é ir contra o que o mundo te oferece. O sistema é maldito. Nas escrituras vi que o sistema pertence ao Diabo e preciso escolher meu lado. Não fico em cima do muro.
Muita coisa não sabia o que estava fazendo por estar impregnado no sistema das drogas, alienado. Vejo muito menino metido a punk que é alienado. A maioria desses meninos que pegaram o movimento punk de 2010 para frente pegou tudo resumido nas redes sociais.
Nos anos 90, a gente tinha que conseguir fita cassete. Comprava muito disco em São Paulo e nas minhas idas à Galeria do Rock, trazia o material. Uma das contribuições que eu tenho para o movimento punk é escrevendo esse livro e um zine chamado “Poesia das Sombras”, onde escrevo poesias que refletem o cotidiano das ruas e submundo.
Hoje em dia estou limpo, sem drogas. Não me drogo mais. Tenho filhos, netos e estou vivendo uma fase muito boa da minha vida: descobertas e aprendizados. O punk não deixa de se movimentar, sempre tem que aprender.
Quando eu falo em relação a minha fé – não é no sentido religioso, colocada pelas instituições – mas a fé do meu poder superior. Procuro viver todos os dias os 12 passos/princípios espirituais, procuro viver a palavra. Se você for à bíblia, Coríntios, capítulo 1, versículo 27: “Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios. As coisas fracas desse mundo para envergonhar os fortes”.
Cristo se encaixa no movimento punk nessa frase.
Lutar contra o sistema não é vandalismo, nem sair batendo nas pessoas, mas deixar de aderir aquilo que a sociedade te imputa.
A minha vida foi dissolvida por pedras amarelas, que direcionaram meus medos e agonias. Solidão homicida. Vida drogada, vida bandida. Vida louca, vida esquecida. Fósforo, cachimbo, cinza, pedra, cigarro, isqueiro. São sempre os mesmos companheiros.
Há uma pedra no meio do caminho, mas que caminho há decadência no mundo de espinhos, mas a única coisa que eu sei, que das cinzas que eu gastei, das cinzas virarei, mas foi em Cristo que ressuscitei.
No meu mundo, onde a noite era mais fria, uma eterna agonia dormir com a solidão.
No meu mundo onde há contradição, onde o crack e o álcool são presentes como ratos e baratas. Não existe um abraço ou aperto de mão, nesse universo paralelo e olhos altivos, preconceito e violência, a porta aberta é sempre a dependência, vivendo marginalizado por pessoas sem coração.
Eu queria ser amado, estar ao lado de um ombro amigo, mas vejo vários inimigos: terror e ilusão. Nos meus pesadelos de todo dia, na rua escura e fria, meu lençol de papelão.
Muito bom , esses relatos vivenciados pelo Léo , aí ele fala muito de como era naquele meado de 80 e dos 90 . Barra pesada mesmo , para quem se entregou totalmente ao punk junto ao movimento de bandas underground , eu gostei demais desse depoimento dele . Isso é a história pura e verdadeira dele e de alguns que passaram por isso também .
Grande Léo Punk, avante amigo o mais belo e sincero relato que aqui li…força sempre meu amigo.