Curadoria e tradução de Floriano Martins
Conheci Juana Pavón no Redondel dos Artesãos, em Tegucigalpa. Eu tinha quatorze anos e fui convidada para tocar piano em uma noite cultural organizada pela Mujeres en las Artes. Juana dançava enquanto eu tocava Bach e essa é a primeira imagem que tenho dela. Naquela noite ela me abraçou e beijou, e enquanto segurava minhas mãos e acariciava meu rosto, me disse: Eu tenho uma filha. Eu não entendi essas palavras. Eu não conhecia Juana, não sabia quem era aquela mulher excêntrica e explosiva, que não sentia vergonha e falava palavras irreverentes, mas ao mesmo tempo era capaz de dar amor e iluminar com sua ternura uma menina assustada de quatorze anos.
Alguns meses se passaram e eu a encontrei novamente em recitais de poesia, em concertos e em exposições de pintura. Até aquele momento eu nunca tinha lido Juana, me incomodava ouvi-la em seus recitais e conversas sobre poesia porque suas expressões escandalosas me faziam pular de espanto. Fui criada em uma família de boas maneiras e pensamentos recatados e esse era um estilo de vida que não podia contradizer. Juana Pavón me emocionou muito porque me fez questionar esses padrões tão presentes no meu dia a dia. O que vocês veem em Juana?, Perguntei aos meus amigos quando eles a citavam ou a aplaudiam efusivamente, mas eles ignoraram minha pergunta e eu ainda não entendi.
Muitos anos se passaram. Fui acompanhada de poesia e outras leituras por noites, dias e meses; descobri Clementina Suárez, Amanda Castro e Teresa Morejón de Bográn, entre outras, e todas elas me levaram a redescobrir Juana Pavón, Margarita Velásquez Pavón (seu nome de nascimento) ou Juana la Loca; e através de sua poesia encontrei a mulher desmistificadora, entendi a mulher indignada, conheci a mulher estuprada, me identifiquei com a marginalizada, descobri a mulher valente que com palavras denunciava e quebrava padrões e nos dava aulas de amor, de força e de luta.
A poesia de Juana rompeu com os esquemas tradicionais. Ela era contundente e transgressora em sua linguagem, sua palavra testemunhal denunciava a violência que vivenciou e que sabia que outras mulheres estavam vivenciando. Seu tom de conversa provocava empatia em quem adentrasse em suas letras.
LINDA ORDÓÑEZ
Eu quebrei as barreiras sociais, mas elas foram dadas para aqueles que são cheios de preconceitos, porque tenho várias amigas que têm um comportamento que não é irrepreensível, não, mas não são como eu, que tenho um comportamento vergonhoso; não estou cuidando da minha imagem e também não tenho uma autoestima inflada.
[…]
Eu sempre disse que se tem que fazer o que gosta e não há nada mais lindo no mundo do que fazer o que se gosta, melhor ainda quando é bem feito, jogar a mediocridade de lado e não dizer eu sou o melhor ou eu sou a melhor, porque a humildade te engrandece, a humildade é uma das virtudes mais incríveis.
JUANA PAVÓN
Fragmento de uma entrevista concedida a Marvin Palacios.
MALDADE E LOUCURA
Definitivamente
a minha loucura
radica
em odiar a maldade
que me obriga a ser má.
Os anjos
que circundam a minha cabeça
precedem
um anátema
ou um perdão.
Simplesmente
o bem triunfa
sobre a minha maldade
obrigada.
[DE UMA VEZ POR TODAS]
De uma vez por todas
eu me declaro mulher
ovários bem colocados
que triste da minha parte seria
chamar-me Napoleão ou Rigoberto
carregando pela vida
uma andorinha
sem mensagem entre minhas pernas.
NÓS: ESSAS TIPAS
Uma, duas, cem, milhares
assim vamos as mulheres por aqui
aqui onde nos coube pernoitar para sempre.
Não importa lugar ou nome
definimos nossa situação
há muito tempo.
Aceitamos o papel que nos corresponde
não importa o status.
Estamos as privilegiadas
e as não privilegiadas.
Estamos:
a funcionária porque funciona
a operária porque operária
a mãe porque mãe
a estéril porque estéril
a dama por dama
a prostituta por prostituta.
Fazemos manobras com o tempo
ligadas a esta inercia
que chamamos vida
porque sendo mulheres
temos que aceitá-lo
porque são leis para mulheres
feitas por homens
o que mais nos resta?
Nos temos como magras e gordas
umas por beber muita água
outras por tomar leite e cereal.
No dia das mães
umas temos frio
outras temos calor,
no dia da mulher
umas temos risos
outras satisfação.
Estamos as poetas acadêmicas
e as poetisas da rua.
Estamos as que vendemos rosas
em uma floricultura elegante
e as que oferecemos cravos
em uma esquina de banco.
Nós, que somos anônimas
do amanhecer
e nós outras borbulhas de fome
nós somos essas – à que nos vende
e às que nos protegem
até os 80 anos.
Somos a esposa ignorada
em um centro noturno
e a empregada seduzida.
Todas somos nós
a cada um o seu
assim foi repartido
sem que pudéssemos escolher.
Estamos as amarguradas
e as indiferentes
as antissociais
e as socialíssimas
as que damos de comer a nossos filhos
em colherinha de prata
e as tragicamente miseráveis
que damos nossa prole
às amas-de-leite e traficantes de crianças.
Nós as que sempre calamos
e esperamos
as que temos motivos
para gritar
e não esperamos por nada.
Estamos as saudáveis
porque temos um gato em casa
e as enfermas
por uma existência solitária.
Somos muitas as que bebemos champanhe
e muitas as que bebemos cachaça
as primeiras ancoramos na cama
com lençóis de seda
e as segundas
em uma escondida e úmida calçada.
Estamos as feministas associadas
e as lésbicas reprimidas
muitas assistimos ao Catecismo
e outras erguemos os olhos
para ver Deus.
Assim vamos nós todas
nós, essas tipas
todas somos mulheres indestrutíveis
nada nos detém
não importa se somos advogadas
se somos verdureiras
médicas, doceiras
professoras, camponesas
atrizes, pintoras
esposas, amantes
primeira dama
ou última dama.
Um ventre nos une a todas por igual.
Somos as que motivamos
todos os sentimentos
ternura, delicadeza… amor
mesmo que haja em cada uma de nós
uma gata furiosa
ou uma gata submissa.
Somos as que estamos paradas no tempo
e pulsamos… pulsamos… pulsamos!
somos rio, mar
selva, sol
lua e pulmão
somos pátria!
– Eu sempre pensei
que Honduras tem nome de mulher –.