5 Poemas de José Juan Tablada (México, 1871-1945)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Um fio de ouro nos conduz pelo aparente labirinto que é toda a obra de José Juan Tablada. A analogia, na formulação de Charles Baudelaire, propõe o universo como uma unidade plena de correspondências. A articulação do universo é a linguagem: falar é criar, isso é existir. O poeta, nas próprias palavras de Baudelaire, é um tradutor que tira suas metáforas do livro do universo.

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A unidade que sustenta a obra aparentemente dispersa de José Juan Tablada, que González de Mendoza chama de universalidade e Octavio Paz de fidelidade à aventura, se baseia no uso de comparações analógicas, mas estas existem porque Tablada, leitor dos arquitetos decadentes Teodoro de Banville ou Joris Karl Huysmans, como seus contemporâneos imaginam, possuía um dom único para apreciar, além das diferenças, a comunidade de traços. E aqui pode ser pertinente associar este dom a outro menos conhecido: Tablada não foi apenas um grande crítico de arte, conhecedor e colecionador, mas também cultivou o desenho e a pintura. Ele preferia as placas em miniatura e naturalísticas. Por isso, não seria gratuito referir-se à sua formação naturalista aquele dom de observar a diversidade natural e valorizar a unidade da criação, bem como de encontrar no mundo dos insetos e da erva os ecos do céu estrelado e a música do as esferas.

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Classificar a poesia de José Juan Tablada por períodos pode servir para uma periodização, para ilustrar até com seus poemas tais períodos – modernismo, pós-modernismo, a vanguarda, nacionalismo… No entanto, pouco pode nos dizer sobre a unidade e beleza essenciais, no sentido romântico, que tal trabalho acarreta. Após a morte de Tablada em 2 de agosto de 1945, gradualmente aprendemos a apreciar primeiramente a riqueza, depois a diversidade e, mais tarde, a reconhecer a unidade na diversidade, a grandeza dessa poesia. Seu fulgor parece ser emitido para o futuro. Desde o passado a estrela de Tablada continua a nos iluminar e o caminho que ele traçou com sua poesia e a unidade inextricável que tem com sua vida, guia nossos caminhos.

JOSÉ HOMERO
Fragmentos de “José Juan Tablada: Hay orgías de salvia en la floresta”, 2021


PLACIDEZ

Esta noite trouxe um tremor de luzeiros,
um cinza céu de pérola e um oitante de lua;
a penumbra é de prata, e se envolvem em uma
transparência indecisa as caladas veredas.

Na alma se filtra, por ocultos mananciais
de recôndita fonte, uma calma oportuna,
e apascenta suas penas a contrária fortuna
como se fosse um rebanho de medrosos cordeiros.

Resignado o espírito, não formula uma censura
pelo mal ou a morte; a quietude da noite
os impulsos refreia e as ânsias mitiga

e a vida se aceita, sem saber se a mansa
placidez em que o peito adormece e descansa
é virtude e holocausto, ou desdém e fadiga.


BORBOLETA NOTURNA

Devolve ao desnudo ramo,
noturna borboleta,
as folhas secas de tuas asas.


APARIÇÃO

A mulher que aparece, surge
em meio à apoteose de um perfume
ou escondida como uma violeta
no núcleo de sombra da estrela.
Intermitente floco de espuma
na marulhada da música.
Taça de champanhe e neve
na sede da febre
que nos afunda no tanque tíbio e claro
de uma imensa esmeralda
e nos abre na aurora
os olhos que fechamos na sombra!


A CRUZ DO SUL

As mulheres com gestos de madrepérola
possuem pelos e lábios rubros de orquídea
Os macacos do Polo são albinos
âmbar e neve e saltam
vestidos de aurora boreal.

No céu há um anúncio
de Óleo de margarina
Aqui está a Árvore da quinina
e a Virgem das Dores
o Zodíaco gira na noite
de febre amarela
a chuva encerra todo o Trópico
em uma jaula de cristal
É a hora de atravessar o crepúsculo
Como uma zebra até à Ilha de Outrora
onde despertam as mulheres assassinadas.


A MARGARITA SANGER

Em seu automóvel de cristal,
que grasna feito pavão real,
vai a Mulher-das-pernas-de-jade
à casa de Margarita Sanger.

Os arranha-céus se inclinam para vê-la
ao longo da Vía Scelerata,
toda desnuda, indiferente ao frio,
cabe seu automóvel de vidro.

(Vai dar à luz uma criança morta)

Em cada bazar da Quinta Avenida
há germes de bombas de dinamite;
entre as peles, as joias e o bricabraque
as máquinas infernais respiram seu tique-taque…

Margarita Sanger não é o Anticristo;
platônica e douta em maiêutica
sonhou
em libertar o futuro do passado.

Os filhos dos pobres
são lentamente parricidas.

Que farão os latifundiários sem peões
e sem soldados os Napoleões?
e sem carneiros, sobreviverão os leões?

Em casa de Margarita Sanger
golpeiam seus ventres as que não serão mães
e cantam essa bela canção
que apenas recém-nascida
a Guerra lhes afogou no coração:

“Nossos filhos não criamos
para que os façam soldados!”

Golpeando o ventre as mulheres cantam:
Por estas portas já não sairá a dor,
nossos filhotes já não serão para as feras,
arrancamos a venda do amor
somos as Lisístratas justiceiras
enquanto os homens se devorem não coalhará fruta a flor.

Oh Margarita Sanger, ao evangelho de tuas palavras
já rangem os quartéis e as fábricas,
as prisões e os hospitais,
e os cavalos cegos das minas
relincham ao céu azul e ao sol!

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