Por Ana Elisa Ribeiro, poeta, pesquisadora e professora titular do (CEFET-MG)
“Poesia não vende”. É o que dizem sempre, em especial quando há uma situação de recusa de um original em uma editora ou naqueles bate-papos repetitivos de eventos literários. Bem, mas a relação entre um suposto não vender e a escrita da poesia parece ser nula. Muita gente, desde sempre, continua escrevendo poesia, nomeando de “poesia” o que escreve e publicando livros ditos “de poesia”. Para mencionar o maior e mais conhecido prêmio do país, o Jabuti, dados internos mostram que a maior parte dos concorrentes está na categoria Poesia, que inclusive soma mais gente do que algumas outras categorias juntas. Poesia é, quer queiram uns, quer não queiram outros, um gênero literário popular, acessível e produtivo. Não me refiro aqui a uma tal “boa poesia” contra uma outra que seria “ruim”. Não toco na questão do “valor” e nem me apresento como crítica literária. O que quero dizer é que, boa ou má, seja lá a régua que esteja medindo a poesia, o gênero é muito escrito, por muita gente, que cada vez mais deseja publicar seus livros, e, melhor, encontra mais canais para fazer isso.
Arrisco-me a dizer: a maior parte da poesia nova publicada no Brasil vem à luz pelo trabalho de editoras pequenas e independentes. É uma questão matemática: são pouquíssimas as editoras realmente grandes e o gargalo é estreitíssimo. Há uma profusão de editoras pequenas, ditas “independentes”, que aceitam, se arriscam e publicam poetas de toda parte, mesmo que a difusão não seja o forte delas como pode ser o das grandalhonas poderosas. As chances de uma pessoa que se declara poeta conseguir lançar seus livros por uma editora (pequena) são maiores hoje do que eram há quarenta anos; as chances de que infinitos livros de poesia existam são muito maiores atualmente; embora as chances de que alguém leia esses livros seja ainda baixa. Publica quem quer; lê quem procura. Dificilmente uma poeta (ou um poeta) pouco conhecida sairá da bolha de seus parentes e amigos, o que não significa que esse alcance esteja predeterminado. Um livro publicado quase sem difusão (tiragem, divulgação e distribuição juntas) pode muito bem, como já aconteceu, ganhar um prêmio importante (se a obra for inscrita) e ter seus dias de visibilidade. Eventualmente, esses dias podem se estender se justamente esse acontecimento levar esse livro e essa poeta (ou esse poeta) a outros patamares, condições, editores, etc.
Essa contextualização breve é para dizer, afinal, que muita coisa boa acontece para além dos poucos livros que chegam às livrarias ou que são publicados por três ou quatro editoras mais capazes da difusão. Na enxurrada de publicações de poesia que rola ao longo do tempo, há livros que só me dão a vontade de que fossem lidos por muito mais gente. É uma pena que eles estejam um pouco escondidos na multidão. A própria multidão de poetas pode ser boa, posso considerar bons muitos textos, e não outros, como acontece a qualquer leitura, mas há alguns que me deixam um pouco angustiada.
Compro poesia desde a minha juventude. Compro às cegas, sem saber quem é aquele autor, aquela autora, do que trata o livro etc. Compro para experimentar. É uma porção pequena de uma fruta suculenta que pode me parecer amarga, doce, ácida ou o que seja, mas é preciso cravar meus dentes nela. Depois de alguns anos lendo e escrevendo poesia, tentando uma difusão sempre meio tímida, acabei ganhando muitos livros, poemários de autores e autoras que sequer conheço ou que conheço pouco, e que desejam ser lidos com atenção. Um encontro delicioso esse do texto com quem gosta de ler poesia. E os livros ganhados são postos em uma estante para que aguardem sua vez. Não sou rigorosa com prazos, não gosto de cobranças e não tenho o tempo que gostaria de ter para ler poesia com mais dedicação, mas leio. E enquanto leio, quero sentir o que os textos me dizem, que efeito o livro tem sobre mim. Posso me considerar uma leitora experiente de poesia, sem me envergonhar de minhas preferências e antipatias. E sem me arvorar em mais nada além do meu gosto honesto e efêmero, porque não entramos duas vezes no mesmo livro.
Comprando e ganhando livros é que me encontrei com poetas e poemas que deixei marcados, riscados e anotados. Às vezes, leio o livro um mês, um ano, cinco anos depois de ganhá-lo/adquiri-lo, mas é isto: o tempo da leitura que passa fora dos prazos e das obrigações da vida produtiva (embora eu também leia para trabalhar).
Recentemente, um livro cavado, desses que a autora me trouxe no desejo de encontrar uma leitora atenta, me deu a alegria de me tirar do prumo. Ao lê-lo, fui encontrando versos fortes, uma voz firme e inteligente, belas imagens, metáforas incomuns, bom manejo da língua, do verso, da estrofe etc. Os poemas me surpreenderam desde as primeiras linhas, a maioria deles extensos, transbordando páginas, mas com cortes onde deviam estar, finais em suspensão, microssustos poderosos e uma inteligibilidade que me interessa também na poesia. Me pegaram. Pode ser que minha disposição para ler poesia mude de um dia para o outro; pode ser que alguns encontros com a poesia não tenham acontecido porque, naquele dia, li mal; pode ser que o que me afeta hoje não me afete na semana que vem; mas fico muito atenta a uma poesia que me parece boa porque atravessa esses tropeços e atravancos comuns aos movimentos da própria vida. Como este texto não é exatamente uma resenha, não me meti a analisar o poemário e nem a citar trechos, mas menciono com alegria o título Da costela do impossível, de Marcela Alves, lançado em 2022 pela Urutau, uma dessas editoras independentes que semeiam livros sem cerimônia e sem medo. É até difícil acompanhar a produção dessa pequena casa, que atua com equipe pequena, mas já compôs um extenso catálogo de muitas vozes. Marcela Alves oferece os poemas de seu primeiro livro e o que posso fazer é torcer para que venham outros da mesma linhagem.