4 Poemas de Larissa Lins

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Larissa Lins nasceu em Fortaleza em 1989 e, desde 2018, vive no Rio de Janeiro. Atualmente, trabalha com editoração, revisão e tradução. Também é pesquisadora do Departamento de Letras da PUC Rio. Em 2022, publica seu primeiro livro de poesia, “Ardósia”, pela Editora Urutau.


Ruth

Para Érica Zíngano, que encontrei no estúdio da Zürn em um sonho.

era uma vez uma citadela
o ferro sozinho
nenhum ruído
não me deixa entornar o vinho
não sei falar coisas bonitas
não sei falar
não entendo de rimas de métricas
de estratégias eloquentes
não entendo de nada
da semente que germina o meu útero
e me rasga deságua
pouco me importa
mas quando leio os anagramas da zürn
ruth volta pra mim
algo me inflama
e depois me escapa
talvez a minha aproximação com o que desconheço pois
embora não tenha enlouquecido ainda
sigo saltando
abismos plataformas invisíveis
e não enxergo mesmo um palmo à frente
não vejo nada
das águas dos mares que me correm
me evadem
nenhum palmo à frente
urrando lamúrias inaudíveis
serpentes de várias cabeças
aves de rapina e um morcego
em meus meus cabelos
e um homem jasmim
ruth volta pra mim
pavor
no meu estômago arde
em brasa a rua escura
em uma citadela
na normandia fria
aumenta minha voz
única que deseja o
urro gutural
ruth
o erre da língua
que não consigo pronunciar
pois a minha garganta
inflama
irascível desejo de morte
ruth
não permita, por favor
que me domem
os nervos
ruth
me ajuda
pelo menos
a pronunciar
ainda que apenas em pensamento
o
erre
do meu desejo
o erro
da minha mente
para não me enforcar
com a corda que encontrei
no labirinto
e que deveria usar mesmo
era pra escapar
quanta bobagem
era uma vez uma citadela
travesseiro
cabeça deitada
o ferro sozinho
nenhum ruído
ruth eu queria
era me casar com você
mas foste devorada tão jovem


Catatônica

saio sangrando pela rua entorpecida
pego briga com um babaca
a manhã me agride a noite
as nuvens me arranham nos olhos
os carros flutuam
os passantes inquisidores perscrutam
o sol me maltrata


O caso da virgem possuída

mas o que é que está em jogo aqui afinal de contas?
espero no mínimo respeito
não fiz nada para estar aqui
como vim parar aqui neste banco de réus?
com orgulho bato no peito
brado
minha reputação é ilibada
e ainda que não fosse
audiências
provas
papéis
cupins
todos vocês
algozes

e eu aqui sozinha
e eu aqui a histérica
e eu aqui acuso

num lapso freudiano foi você quem deslizou
quem confessa
a mais torpe vilania
e se alimenta da ruína dos outros
você
todos vocês
algozes cupins

para acabar de vez com cupins
invoco rituais antigos
sacrificiais

escolham imediatamente
dentre homens jovens e de meia-idade
20 e tantos anos e quarentões
escolham dentre aqueles que ali estão
no topo da pirâmide social
4 canalhas brancos dentre os cristãos

empalem-nos vivos à luz do sol do meio-dia na linha do equador
verter o sangue dos 4 canalhas no
sangue necrosado de outras virgens silenciadas

derramar sangue de homem em expiação
para alimentar a terra
é a moeda que temos
o corpo e o sangue
ou vocês acham mesmo que cristo morreu em vão?

só assim então
forma-se um lastro uma luz
que se alastra incandesce e incendeia
uma grande fogueira
em torno do coração

para acabar de vez com cupins
o fogo


Szeretlek

Há um homem e não sei se ele me ama. Ele quer retornar a Bangcoc e lá me encontrar. Quanto a mim, nunca estive em Bangcoc. Quero viver com ele em Carcassonne. Me agrada a ideia de transitarmos juntos por uma terra estrangeira. Não é disso que se trata toda esta minha peregrinação? Mas ele está morto. Às vezes eu o invoco, pois se não tenho paz não quero que tampouco ele tenha. E o espírito dele vem me visitar e me olha e me olha sem nada dizer. Vai embora quando amanhece. Talvez um dia nossas almas renasçam e se reencontrem em Monte Aneto ou no Monte Moriá. Ou talvez no Calvário das Colinas de Buda. Na Hungria certamente seria mais apropriado. Húngaros não dizem “eu te amo”.

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