Vozes do Punk vol. 18 – Jairo Mouzinho: um agitador cultural necessário na produção de shows hardcore em Teresina

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Conheci o trabalho do Jairo quando fui assistir os shows do festival Hardcore contra o Fascismo, em 2018. Além da sua contribuição na cena punk atual com a banda Kandover, ele é um produtor ativo, possibilitando articular intercâmbios com vários artistas pelo Brasil, organizando uma série de eventos fundamentais para manter o fluxo sonoro firme. O que seria do público sem um produtor para colocar em prática a nossa vontade de ouvir som? Jairo Mouzinho é peça chave para que os encontros, shows e o punk rock faça sentido por aqui.

Para compreender minha história no punk e no movimento underground, precisei retornar para os primórdios, de como o rock chegou na minha vida. Meu tio Dadi – vulgo Wolverine – teve o primeiro aparelho de som de CD da família. Ele é um ser de gostos peculiares. Fã da dupla Leandro e Leonardo, Roberto Carlos e o maior fã de Rod Stewart que já conheci na vida.

Era massa vê-lo chegar do trabalho no seu Fiat Prêmio, com som altíssimo, fazendo a curva para chegar em casa, enquanto jogava bola na rua. Corria para abrir o portão para ele e ganhava de brinde o fim de HOT LEGS, com a mala do carro aberta e o som no espaço, embalando meus gols feitos nas travinhas de tijolo.

Ele, quando voltou da Bahia, me mostrou um disco que ganhou e não entendeu muito. Ele quis comprar o Absolutely Live (1982) do Rod Stewart do dono de um bar, mas acabou ganhando de presente o The Wall, do Pink Floyd. Aquele virou o meu CD. Eu escutava as faixas, tudo bem executado, sentava do lado do som com meu dicionário de inglês e tentava traduzir as músicas. “Another Brick in The Wall” me pegou de jeito. Afinal, ninguém quer ser outro tijolo no muro, né? Dessa época, também guardo com carinho o disco “Gol de Quem” (1994), do Pato Fu, que é um dos meus favoritos até hoje.

Daí, para aprender a tocar, aprendi lendo revistinha de banda e tocando no violão de canhoto do meu tio Osvaldo. Ele me viu tocar e cantar uma música, do Milionário e Zé Rico, e decidiu que ia ser aluno dele. Comprou um violão Gianinni de estudo e me deu. Nunca virei músico de verdade, mas devo a ele tudo o que sei.

Depois, entraram muitas bandas na minha vida, coisas que amo. Tem muito Iron Maiden, Raimundos, Angra, Matanza, Obtus, Káfila, Anno Zero… E por aí vai. Estudei no CEFET e a troca de discos e fitas na adolescência era a coisa mais legal que a gente tinha. Lembro de como o CD Sangue no Olho do Obtus foi comprado. Tinha 17 anos. Passei numa banca de revista pertinho da praça Pedro II. Achei massa demais ver disco de banda daqui. Me custou uma semana de lanche no colégio, mas consegui com o Assis, comprado na mão dele.

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Entrei na UFPI, comecei a estudar, tive minha filha aos 21 anos, larguei a academia e a música para trabalhar e comprar o leite da criança. Foi uma época difícil. Eu tinha que ficar afastado dos shows. Calculava o dinheiro do salário que ganhava na Coca Cola em leite e fralda. Tudo era saudade e som alto em casa, embalando minha filha ao som de Ramones.

Voltei para UFPI, montei minha banda, a KANDOVER, com os amigos de infância e fizemos alguns shows muito bons nas calouradas. Éramos uma banda cover, mas a gente gostava de tocar. Fazíamos tudo com prazer. Nos pagavam com cerveja e isso já era suficiente. Em 2011, saí de cena mais uma vez. Passei num concurso e fui morar em Rondônia. Lá, não conhecia ninguém e tudo voltou a se resumir a som em casa e um evento ou outro, esporadicamente. Mudei para Macapá, e continuou do mesmo jeito.

Em 2015, um fato que me feriu de morte. Amilton, baterista da KandoveR, faleceu de acidente de moto. Eu morava em Macapá e não consegui vir no velório. Sinto que eu morri um pouco naquele dia. Éramos aqueles amigos que chamavam a mãe do outro de tia, que comprávamos CDs juntos para ouvir e emprestar um para o outro.

Ele era um irmão, irmão mesmo. Morreu antes dos 30, recém casado. Voltei para morar em Teresina. A KandoveR sempre esteve ativa. Nos reunimos e convocamos o Dodô, que sempre foi um grande amigo, para tocar no show que seria a despedida do Amilton e o fim da banda. Como obra do acaso, outra banda do Dodô acabou e ele colocou a KANDOVER substituindo a banda dele num evento que me pôs frente a frente com o André Russo, que é o baixista e vocalista da Elétron e um dos membros da alTHErnativa Produções, que é uma das referências para mim em organização de eventos underground em Teresina.

Tocamos no “Quanto Vale o Show?”, no Clube dos Diários. A homenagem ao Amilton e fim da KandoveR acabou sendo um chamado do próprio Amilton, que enquanto estava no hospital pediu para o Fiel (guitarrista e cunhado dele), para a banda seguir.

O ano era  2017 e a KandoveR fez mais de 30 shows, de fevereiro à dezembro. Noites maravilhosas nos saudosos Caverna, Estacionamento D’Car, Tomato e Dama da Noite, em Timon. Nesse meio tempo, ganhei um prêmio lotérico, valor baixinho, R$ 4.500,00. Mas foi mais que suficiente para gravar nosso EP, O Povo.  Foi massa. E ele está lá, orgulhando a gente até hoje.

O ano de 2018 começou e, junto dele, grande parte da merda toda que o Brasil se meteu e que não sabemos quando vamos sair. Me juntei ao pessoal do Coletivo Nuvem Negra (HEITOR, BODE, LUCAS, MARY e PEDRO) e decidimos trazer para Teresina duas bandas: QUEBRADA VIOLENTA e  MOSHMANIA, ambas de São Luís.

O verme da produção entrou em mim desde então. Esse lance de produzir shows é bom porque a troca de experiências com o pessoal de fora que vem para mostrar o som e leva consigo as impressões que tem do nosso som, da nossa trupe. Foi um show foda demais, no Estacionamento D’Car. Terminado esse show, decidimos, de uma maneira muito doida, muito doida mesmo, trazer o SURRA para Teresina. Coisa que já tinha sido feita antes pelo Guilherme Muniz. A gente decidiu trazer. Compramos as passagens de avião, pagamos o cachê e alugamos o Bueiro do Rock. A noite foi doida demais, sem a gente saber o tamanho do prejuízo na hora do show. O evento tinha vendido 70 ingressos antecipados e precisávamos de 200 para cobrir as despesas. No fim, vendemos 204 ingressos e o show se pagou.

Em 2018 ainda, após as eleições presidenciais que afundaram o país e nos jogaram num abismo no qual ainda estamos caindo, decidimos fazer o HARDCORE CONTRA O FASCISMO. Esse foi um evento que aconteceu em várias capitais do país. Todos antes das eleições. A gente decidiu fazer aqui depois do pleito.

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A gente concordou que era preciso fazer depois para demarcar posição e dizer que permaneceríamos lutando e vigilantes. Fizemos na praça Pedro II. Ameaças de morte de perfis fake não paravam de chegar todo dia nos nossos perfis pessoais. Mas fomos lá e fizemos uma festa linda.

10 bandas tocaram para um público que girou por volta de 2500 pessoas, num som pequeno e alugado por 400 reais e as bandas tocando de graça. A gente que é do punk/hardcore é unido. A gente faz sempre o possível para trazer o melhor que nosso dinheiro pouco pode pagar. A galera que vem de fora também entende o corre, porque faz parte do mesmo cenário. Ninguém assina contrato. A gente negocia tudo de boca, paga as contas e faz acontecer.

Ainda trouxemos o Antes do Erro, de Belém em 2019. Fizeram um show massa demais, também no D’Car. Desalinhos puseram um fim no Coletivo Nuvem Negra, mas eu decidi seguir. Uma pena que a pandemia tenha ferido de morte quase dois anos de rolê . Foi muito tempo em casa, incertezas, muita gente chorando os mortos, a gente sem puder abraçar ninguém…

Ficamos todos meio desanimados. Até que no fim de 2020, tive uma ideia que me fez ser útil de novo. Com a Lei Aldir Blanc de incentivo à Cultura, decidi escrever um projeto grandioso. Perdi muitas noites de sono, bati muita cabeça, mas fui atrás de fazer um projeto, junto com o Rubens (Káfila) e o Dieudes para fazer as lives do Bueiro do Rock.

O Bueiro, quem é daqui sabe, é uma das maiores casas especializadas em rock no Brasil. A inatividade fez com que eles se tornassem uma pizzaria drive-thru. Levei a ideia ao Dieudes e ao seu Nonato. Trabalhamos conjuntamente, mas cada um de suas casas, eu, o Rubens e o Dieudes. Aprovamos um projeto talvez nunca aprovado antes e que talvez nem tenha chance de fazer algo tão grandioso novamente.

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Executamos em 2021. Foram 6 eventos, transmitidos pela internet, com 24 atrações. E decidimos abrir o palco do Bueiro para a gente que fazia outro tipo de som também, A pandemia nos ensinou a escutar as demais pessoas ao nosso redor. Geramos mais de 200 postos de trabalho nesse tempo e doamos mais de 250 cestas básicas com esse projeto.

Enfim, chegamos a 2022 e decidi novamente trazer o Surra à Teresina. Foi um corre mais profissional. A banda cresceu muito. E trouxe também para esse show o Basttardz de São Luis. Deu trabalho demais, deu prejuízo também. Mas está feito, entregue. E com amor.

Quem faz rolê underground faz isso por amor. Não tem explicação mercadológica que se justifique não. A gente quer trazer as bandas que a gente admira o trabalho e que falam linguagem que a gente acredita. Isso eu nem nego. Às vezes entristece, lógico, ouvir lamentos dos coleguinhas que dizem que aqui não tem nada e quando a gente faz, essa galera que reclama não vai.  Mas nem esquento não.

O tal do Do It Yourself é isso mesmo. Tô afim? Me programo, vou lá e faço. Logicamente a gente ainda vê um público defasado nos eventos. Claro! Transporte está caro. E isso encarece o preço de todo o resto. Mas vamos fazendo do lado de cá. Apoiando as coisas que acontecem por aqui. O que a gente precisa é se agrupar, fazer as coisas juntos. E se misturar.

A gente tem muitas bandas muito boas aqui e que não saem. A galera do hip hop, do reggae, do hardcore e do metal é mais conhecida fora daqui do que aqui mesmo. Isso muito por conta do trampo de louco que é feito por nós que teimamos em produzir evento aqui.

Pessoal do Bueiro do Rock, o Pedro Hewitt, o Fernando Castelo Branco, galera do Agosto do Cão, pessoal do Circuito Piauiense de Reggae, os coletivos de Hip Hop cortam um dobrado demais para fazer acontecer as coisas. E anda separado. Talvez a gente ainda não tenha acordado que fala a mesma língua, com ritmos diferentes. Isso acaba, às vezes, nichando demais nosso público. A Mostra Bueiro do Rock deu um start. Acho que é hora de a gente começar a fazer junto!

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