3 Poemas de Pedro Lastra (Chile, 1932)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Me defino fundamentalmente como um leitor. […] Sou um leitor constante, com boa memória que se localiza com certa facilidade nas matérias que são de sua preferência. […] E o fato de que seja professor de literatura me mantém em um exercício contínuo. Porém tudo isto não o desvinculo de minha vocação poética. E aqui posso contar que há tempos um de meus amigos esteve em Stony Brook, o poeta Juan Gelman. Eu dava um curso de poesia para estudantes avançados e Juan foi ler seus poemas. Ele teve uma vida muito dramática pelas circunstâncias políticas na Argentina. Um estudante lhe perguntou o que desejaria Juan Gelman que se dissesse de seus poemas, o que passará com seus poemas 70 anos mais tarde. Uma pergunta intensa que surpreendeu um pouco a Juan, mas que teve a seguinte resposta muito reveladora: O que eu poderia querer é que se alguém lesse meus poemas, esse alguém se sentisse acompanhado. Bonito, não?
[…]
Me sinto particularmente vinculado, de nenhuma maneira tematicamente nem mesmo pela proximidade de um fraseado verbal, porém me sinto muito atraído e fascinando pelo mundo que se abre na poesia de [Enrique] Lihn, por exemplo. Creio que é a presença mais viva para mim nesse contexto. A poesia de [Alberto] Rubio me parece também uma experiência muito bem atingida. São poetas de meu tempo, aos quais retorno continuamente. E o outro é Jorge Teillier. Eles conseguiram configurar uma poesia com muita eficácia. Vejo uma conquista na eficácia com que se configura a poesia destes três poetas. Uma concepção da poesia, há uma relação entre seu trabalho poético e um conceito da poesia que é corroborado por esses textos. Vejo uma grande coerência e uma ideia da poesia que a mim me interessa vivamente. São os poetas de minha geração os que mais admiro.
[…]
As universidades norte-americanas possuem um atrativo evidente porque as condições de trabalho dos profissionais neste campo, que é o que conheço, são as condições que idealmente deveria procurar a universidade em todas as partes, mas que entre nós não procura. Agora, por que não ocorre na América Hispânica? Bem, isto é parte de nosso subdesenvolvimento também. As universidades norte-americanas possuem uma grande quantidade de professores chilenos que são contratados, que gozam de um grande respeito acadêmico, e cujas obrigações são, por exemplo, as de dar duas aulas, quer dizer, trabalhar dois dias na semana, atender estudantes por algumas horas, podendo ser nestes mesmos dois dias, e o resto do tempo é seu, para sua preparação, para seu próprio trabalho de investigação. […] Pense nas facilidades de trabalho que significam essas bibliotecas. Bibliotecas de uma riqueza enorme. As coleções mais completas da literatura hispano-americana estão ali. Tudo isto com uma grande facilidade de acesso a esses materiais. A precariedade hispano-americana me obrigou a estudar o latino-americano desde outra parte. E este é um preço. Por que digo que é um preço que se tem que pagar? Porque é o preço do estranhamento. Porque ninguém deveria abandonar o espaço maior de sua cultura, e esta é a ideia que tínhamos com Enrique Lihn. A mim me interessa a América Hispânica, não somente o Chile, porque se algo devo à literatura e a este tipo de especialização no hispano-americano, é haver posto em questão um pouco o critério do nacional. Creio que isto não vale para a arte nem para a literatura. Os nacionalismos são dimensões políticas, as dimensões culturais são transnacionais. Porém tive que pagar este preço.

PEDRO LASTRA
“Pedro Lastra o la vocación de leer”, entrevista concedida a Faride Zerán. s/d. Santiago, 1990.


PONTES LEVADIÇAS

A Oscar Hahn

Quem é este monarca sem cetro ou coroa
extraviado no centro do palácio?
Os inocentes pajens não mais estão
(agora cada um combate por um reino
ainda sem dono). As damas da corte
preparam o exílio.
De quem, pois, esta mão
inábil, estes olhos que só veem fronteiras
indecisas ou o vento
que dispersa os restos do banquete?
Cheguei tarde, não tenho
nada a fazer aqui,
não reconheci as pontes levadiças
e esse que se estendia
não era o mesmo que eu procurava.
Me expulsarão as últimas sentinelas despertas
ainda nas ameias: também eles indagam
quem sou, qual reino é o meu.


UMA SOMBRA

Disse alguém na tarde, junto a um trem,
“não esperes, é inútil, ela não virá”.
Uma sombra persegue então a memória,
ou acaso é por ela perseguida,
a memória do sonho anunciador de um extravio
nas gares de uma cidade real.
Certa vez conheci seu nome,
santo e senha aprendido em Kafka
no grande teatro de Oklahoma:
“Eu tinha uma conhecida entre os anjos”
(e também como o outro, com tristeza,
por não alterar demasiado a letra,
nem seu espírito).
Tudo afinal reduzindo-se a essa voz
familiar da noite
que o dia tão facilmente apaga,
e não é uma maneira de falar,
de um só traço.
Só posso falar com ela em sonhos.


BALADA PARA UMA HISTÓRIA SECRETA

Olhe pela janela uma paisagem de inverno
e a chuva maligna te destrói
porque és a ausência.

Estavas e não eras,
falavas e o silêncio:
nunca és mais bela do quando sei que és
a que não está comigo.
Não encontro na memória
um nome que te deixe ao lado meu, um instante,
um nome que me salve de te ver assim, criada
pela palavra ausência.

E por isso a chuva, e por isso o silêncio
e a fuga que és, e o vazio e a vertigem
que és
quando a ausência toma a tua figura.

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