4 Poemas de Claudia Vila Molina (Chile, 1969)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

O que a minha poesia busca por meio do surrealismo é quebrar esquemas e abordar uma mudança de paradigma sobre a forma como a poesia tradicional é expressa. Interessa-me que o leitor seja um leitor ativo, onde a leitura desses textos seja um desafio para ele, por isso utilizo jogos verbais, repetições, uso da linguagem coloquial, escrita automática, mudanças de referente, entre alguns dos estilísticos recursos que são combinados no texto para formar um todo. Também estou interessada no ponto em que o escritor é um vidente e é capaz de ser um instrumento visionário que se comunica com vários tempos, espaços e mundos paralelos ao mesmo tempo. Da mesma forma, os temas utilizados são baseados em: o mundo dos sonhos, temas atuais ligados à nossa cultura contemporânea, o homem como um ser único diante de um mundo avassalador, o homem como um ser mágico e todas as vozes que dele surgem (em inúmeras referências forçadas a um tempo e espaço convulsivos), a conjunção do homem com a natureza como raiz de sua estrutura divina, o homem e sua relação com o mundo sobrenatural, entre outras.

CLAUDIA VILA MOLINA
Fragmento de uma entrevista a Floriano Martins


INDULGÊNCIA DA CARNE

Hoje o ar tem um hino de corpos suados
Esta cruz é palavra vencida e se move vertiginosa sobre bloqueios
Agora apagas as velas de nossa cidade ninfomaníaca, vértice de rochas
em colchões da prisão
O retorno aos ídolos apagados é um devir,
luzes correm amarradas às suas máquinas no amanhecer do mundo
A mulher envolve suas línguas bípedes em rodas de silêncio,
ele espalha sobre o sudeste sons que parecem chicotes
a rapidez das águas se derrama sobre as estradas, enquanto elas se voltam, sorriem,
extinguem luas que voam sobre nós
O território é um grande corpo detido no meio da terra,
ferve água em uma posição putrefata
E animais se aglomeram e farejam seus próprios fedores
olha para mim do concreto das lápides em ruínas, e se deita
para não espantar nossas sombras.


ESTUDOS DO PASSADO

Percorro o círculo das primeiras coisas, meu corpo é um lapso de tua mente
Viajas até o passado
Onde as sombras espalham murmúrios e ouvimos o derretimento
dos objetos como palavras pausadas no filme
Choras antes que o relógio cante
Meu cabelo cresce em direção às últimas telas e dói em ti esse latejo
Domado diante das paisagens
As pessoas se detêm diante disso
E seguem
Porém a rota mostra peregrinos, a luz se esconde em nosso disfarce
Acaso é a expectativa?
Essa voz que cruza imperfeita a caminho dos pântanos
E naquela encosta
Riachos de água descem da rocha, mas o espaço se mostra
Solitário como teus filhos
Nos custa esperar
Nos custa seguir aceitando os eventos
Isso é a paz? Esta é uma palavra que não pronuncio?


FALSAS CRIAÇÕES

Se como um símbolo eu te criei à minha imagem e semelhança
um delírio reclama os sinais que nos deixam ausentes
se escondem aqueles que deixaste no quarto.
Então a tua presença se despe de nossos segredos
e observas uma figura encardida no meio das árvores.
Longe, no calor dos lençóis que se internam nas ondas.
Quantos és? Até onde a luz nos permite imaginar?


SARA

E vens, avó
acendemos o fogo as folhas dentro
da água – palavras dizem rotas ondulantes
Mas alguém nos beija em seguida e vai
Deixou círculos no pátio dos penitentes
Meu pseudônimo como um símbolo desgastado e vertiginoso
juro em nome de Deus e dos anjos – Sara nos convida
seus índices rompem a mobília ao esfregar seu corpo
nos vestidos das meninas perdidas sua sombra
diante das cadeiras – quando a hora é um minuto
e caem areias em meus olhos então eu percebo
o nascimento.

1 comentário em “4 Poemas de Claudia Vila Molina (Chile, 1969)”

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