4 Poemas de Prisca Agustoni

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Prisca Agustoni nasceu na Suíça e lá se formou em Filosofia e Letras Hispânicas e italianas. Atualmente mora entre a Suíça e o Brasil, onde trabalha como professora de literatura italiana e comparada na Universidade Federal de Juiz de Fora. Trabalha também como tradutora (do italiano, francês, espanhol e alemão) e escreve livros para a infância. Escreve poesia e prosa em italiano, francês e português, e se auto traduz nas três línguas, fazendo desse caminho translinguístico um caminho criativo. Publicou, entre outros, os livros Un ciel provisiore (Genebra, Samizdat, Sel. Prix Lettres Frontière); Animal extremo (Patuá, 2017); Casa dos ossos (Macondo, 2017, semifin. Prêmio Oceanos). Tem no prelo dois livros de poesia na Itália e O mundo mutilado, pela Quelônio de São Paulo, de onde foram tirados esses poemas, livro no qual ela aborda questões relacionadas à migração e à escrita plurilíngue.

Poemas de Prisca Agustoni, poemas inéditos do livro O Mundo Mutilado, no prelo com a Editora Quelônio, de São Paulo.


1.

Não sabem que são anjos
os anjos que vivem conosco no campo:
acostumados a remexer no lixo
sabem do estômago a fome,
do músculo as câimbras.

Reviram as línguas
como frutos caídos
cariados no chão, na torre
dessa babel horizontal

aqui, onde o latim eslavo
estala suas sementes
que florescem tardias

e no fígado do dia
destilamos
nosso álcool


2.

Os anjos vagam esquivos
nos arredores de Idomeni:

carregam consigo outros espectros,
o rosto dos caídos
deitados na memória

juntos dão voltas
no limbo, no campo

onde prófugos perpétuos
rondam em terra de pêndulos

enquanto esperam
enfileirados
a volta do tempo dos humanos.


3.

Esquivos como gatos à espreita
alisam as dobras de um passado
que desbota no presente:

não sabem que são anjos
os anjos que nos perseguem:

perderam suas asas
no lodo, no mangue, no mar


4.

Somos os frutos estranhos
presos aos galhos
de uma árvore
que nos repudia

não há refúgio possível
em quintal proscrito

só essa suspensão
esse arame farpado
uma revolta explosiva
ainda que tardia

– dentro de nós
é onde macera
o açúcar
o licor
da colheita

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