5 Poemas de Conceição Bastos

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Conceição Bastos – natural de R. do Pombal-BA. Mora em São Bernardo do Campo -SP. Publicou “uma escada que voa e outros escritos”, 2023 , Alpharrabio edições; “um quarto escuro e outras embarcações”, 2020, Alpharrabio edições e Dobradura editorial; “cascos e crinas sobre fundo escuro”, coleção perVersas, 2017, Alpharrabio edições; “Perto do coração o mar se levanta”, 2016; e “Diário de uma mulher em rota de chuva”, 2011, Dobradura editorial. Graduada em Serviço Social.


lambe-lambe

1.
ela tem uma consistência quebradiça
de figura recortada
na fotografia
o lambe-lambe passou no dia do circo
as crianças se foram
levantaram a lona
e abandonaram o palhaço
no centro do picadeiro
de tudo ficou um nome pichado no muro
krakatoa
e palavras líquidas
em tentativas de irromper na pele
ou subir pela garganta
em dócil resfolegar de cavalo
preso


onde um barco

1.
essa onda rio abaixo e nem um galho
que a mão possa alcançar
nenhuma pedra
onde um corpo à deriva
possa se deter
no alto da rocha
um pequeno pássaro grita
era assim que da lápide mais longínqua
uma flor murcha acenava

2.
onde um barco
onde um bote salva-vidas
para o resgate de um corpo
em queda 


uma escada que voa

1.
arrastar os pés para fora da madrugada
(era o que ela ia dizer)
corpos pairavam sobre a cidade
corpos voavam para dentro do nada
enquanto uma escada voava em direção à luz

2.
da segunda vez ela já sabia devia permanecer em campo aberto ou
embaixo da árvore à espera de que um raio caísse
ou até que a respiração cessasse de todo e não restasse mais
nem árvore e nem menina

3.
da terceira vez ela descobriu
devia permanecer em campo aberto
ou embaixo da árvore
à espera de que o raio caísse para além do tempo
e o choro da menina cessasse
e que árvore e menina pudessem respirar

4.
foi preciso esperar o galo cantar três vezes
o sol nasceu a dois passos do terceiro olho
a luz e o calor estavam ali
e havia uma clara consistência de vidro
separando os campos
entre
o que era antes e o que foi depois


mulher só silhueta

1.
dois pombos atravessam a neblina da manhã
e pousam no telhado da casa vermelha
roupas coloridas dançam no varal
não consigo refazer certo caminho
não consigo segurar a mão da menina
tudo nesse deserto é pura sede
ardência e secura
sol escaldante
quando afinal um fino fio
ínfimo veio d’água
a miragem se dissolve

    2.
    ela rodopiava naquele deserto
    nascido do som de uma flauta
    ondas de frio embalavam a madrugada
    e na última nota havia sempre um som de água
    longínquo
    do começo da fonte
    ou de onde começou a tempestade
    às vezes o vento dava pausas
    e então o som de água em algum ponto se ouvia
    e o fino fio do som do violino
    atravessava o véu do sol poente
    e a mulher só silhueta
    rodopiava com o seu traje de areia


    coreografia

    vou ficar nessa sala até o soar da trombeta
    ou até que o galo cante
    um corpo pequeno solto no espaço
    flutuar agora não é um verbo tão difícil de dizer
    na primeira pessoa
    espero a sua chegada como quem não espera
    como quem monta um quebra cabeça de
    muitas peças sem se importar com o desenho final
    se você vier este corpo dançará na sua flutuação
    em volta de si mesmo ou em direção a ti
    o abajur azul será a contraluz do teu olho cinza
    e braços e pernas poderão inventar uma coreografia
    de sete vidas
    sete camadas diáfanas tecidas na palavra
    corpo

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