Ana Paula Dacota é de Belo Horizonte, MG. É Mestra em Estudos de Linguagens pelo POSLING-CEFET-MG e Bacharela em Letras também pelo CEFET-MG. Escreve desde os 7 anos de idade mas apenas se assumiu escritora e poeta aos 40. Publicou os livros de poemas “Perfume atrás da orelha”, pela Editora Scriptum, selo Alma de Gato (2019), “A mão é uma pista de voo” pela editora Impressões de Minas (2021) e o livro infantil “A menina que não sabia mentir” (2022) pela editora Caravana. Tem poemas e ensaios publicados em diversas coletâneas e revistas.
atentado ao pudor
no dia em que saí às ruas
com duas bonecas nuas
fui abordada pela polícia
pois era proibido sair às ruas
com brinquedos nus
no dia em que saí às ruas
com o dedo anular esquerdo nu
fui abordada por um sujeito
que se achou no direito de me cantar
no dia em que saí às ruas
seminua
ninguém notou
era carnaval
todo mundo achou normal
inexorável
me deixe transgredir
pois é das minhas loucuras
que renasce o belo
não suspiro no comum
respiro e vejo o que não vale a pena viver
construo a minha vida de precipícios
pois o que me encanta é voar
me deixe transgredir
pois quando o grão seco do amor
cair no solo encharcado e me ancorar
terei o fogo que arde no peito
serei um Ícaro que perde suas asas
e se lembra com saudades do seu lado B.
Perfume atrás da orelha
pingo perfume atrás da orelha
arrumo o cabelo, penduro brinco
ponho maquiagem, escondo a olheira
fico criando imagens dentro do meu circo
sinto a tontura e a tortura do carrossel
e dentro do redemoinho que me despenteia
cega pela luz que inunda meu ser
abro caminho para a centelha
desbotando o batom que antes era carmim
mordo meus punhos até sangrar
mordo meus punhos até sangrar
abafo o bafo amargo
da minha raiva na relva
minhas alegrias são fios de ouro
que enterro no gelo
e não há mapa que os revele
se eu fosse clarice
a solidão é um gato faminto
arranhando as minhas costas
sabendo que a despensa e a geladeira
estão vazias
vulcões que se acalmam ouvindo música
hoje não senti seu abraço ao acordar
hoje a realidade gritou e tudo o que eu fiz
foi automaticamente seguir o script
vesti meu dominó de trabalhadora
peguei ônibus, fiz o trajeto pendular
resolvi a burocracia de outra pessoa
atendi ligações
bati o ponto de corpo presente
na entrada e na saída
mas a mente bateu ponto
em outro tempo
em outros lugares
nos ouvidos os fones
que me ajudaram
a pagar minha mais-valia
Lindos poemas, Ana Paula! Sutis e profundos! Parabéns! Silvana Lamas
Quanta delicadeza reveladora dos nossos pensamentos. Obrigada por traduzir sentimentos que carecem de palavras e assim, nos fazer transcender através da sua poesia.
“Se eu fosse Clarice” foi o meu favorito.
Parabéns, Ana Paula! A vida é melhor com poesia.
Que lindos poemas, Ana Paula!! Deslizam pela língua e provocam! Parabéns!