3 Poemas de Denise Vargas (Honduras, 1974)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Denise Vargas (Tegucigalpa, 1974). É poeta, gestora cultural e consultora independente. Estudou literatura, línguas românicas e psicologia na Universidade de Dartmouth, nos Estados Unidos, posteriormente obteve um MBA com ênfase em Finanças. Seu livro de poesia Terça-feira como toda vida foi publicado na Costa Rica em agosto de 2016. Denise pertence ao grupo de poesia Alicanto. Além de sua experiência profissional, foi Conselheira da Missão de Honduras nas Nações Unidas, onde se especializou em temas de desenvolvimento social, sobre os quais se pronunciou perante a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança. Denise fala espanhol, inglês, francês e tem conhecimento básico de italiano. É Fellow da Central American Leadership Initiative e membro da Aspen Global Leadership Network. Atualmente reside em Tegucigalpa, Honduras. Também compartilhamos o texto de Valeria Muñoz que apresenta esta nova publicação.


Canção de berço

Os ruídos familiares
não se vão com os móveis no caminhão da mudança.
Ficam para trás,
atravessam a madeira do tempo nos quartos
como em mundos paralelos.
Resistem como podem
à invasão dos novos inquilinos, mas aos poucos
as vozes das crianças se confundem com o eco de outras vozes.
Ao longe
a risada mandarim de minhas filhas
muda de melodia ao chegar à memória.
O passado é um sonoro mausoléu comunal.
Um opaco burburinho de lembranças noveladas
habita nossas casas vazias.


Nos portos

Nosso amor parecia impossível, mas não era.
Beijávamo-nos como se beijam
os amantes nos portos e nas estações de trem.
Cada carta era sempre a penúltima.
Falávamos pouco, pois os amantes impossíveis
não fazem planos um com o outro.
Não imaginam tardes de domingo no parque
com dois ou três pequenos e um sorvete de framboesa.
Não, nosso amor apenas ultrapassava o instante.
Olhávamo-nos muito e isso bastava,
nossos corpos conquistavam a censura,
tuas costas uma praia às cinco da tarde,
eu uma onda enfurecida sobre teu ombro esquerdo.
Tocávamo-nos como se tocam as coisas proibidas
como outra forma de possuir, como outra maneira de não esquecer.
Toda pessoa deveria viver pelo menos um amor impossível,
vivê-lo antes de descobrir a verdade mais triste de todas:
que os amores impossíveis não existem,
apenas os abandonados.


O ruído da cidade que você abandona

Antes de cada mudança
começo por me desfazer das roupas,
o mais próximo das feridas.
Aquela saia de seda que deixava tão pouca distância
entre minhas coxas e teu desejo
é a primeira a partir.
Descarto depois as coisas roubadas:
a caneta de um hotel
com a qual escreveste uns versos num guardanapo;
o suéter que nunca te devolvi,
os óculos azuis demasiado grandes para o meu rosto,
todos nitidamente em uma gaveta.
Depois reviso os presentes, nunca sei o que fazer com eles.
Toco com meus dedos a inicial
que se afunda no vão da minha garganta
e de repente duvido dessa mania de abafar
o ruído de cada cidade que abandono.
Talvez seja hora de carregar cada história pendurada no pescoço
como um guizo. Usar esta saia de seda
sem temer o espectro da tua mão em meus quadris.
Talvez seja hora de levar comigo
o estrondo de cada cidade
como um espólio indomável.

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