3 Poemas de Gonzalo Fonseca (Uruguai, 1964)

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Curadoria e tradução de Elys Regina Zils

Gonzalo Fonseca (Uruguai, 1964). Poeta e cronista. Colaborou com diversas publicações: Sueños, Mole-q-lar, Diário Punta del Este, Solidaridad, Otras Formas, El cachimbo de la Reyna, KUDOMAYO (Pasquim Libertário Interparietal), Siete Días de Maldonado, 100% Interés Público. Selecionado no Concurso de Poesia e Conto Breve para Jovens (Inju – MEC e Mosca Hnos 1992). Integra o livro coletivo Poemas Carretilleros (Ediciones Carretilleros, 2015). Publicou Bebamos contra tal impertinencia (duas edições, 2012 e 2014) e La célebre descarga de la caballería ligera (obras poéticas) em Trópico Sur Editor (2015); Música para desarmaderos (2020, civiles iletrados). Antologista, antologado e revisor em La Ballena de Papel / Antología de la poesía de Maldonado 1985/2017, civiles iletrados (2017). Integra a antologia Poesía Uruguaya Actual, La confabulación de las arañas, Editorial detodoslosmares, Córdoba, Argentina, 2018. Entre 2005 e 2015, foi Diretor de Descentralização Cultural da Direção de Cultura de Maldonado. É membro fundador da associação civil civiles iletrados.

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Devo conjecturar, como indica (Alfredo) Fressia, que se escreve poesia para não enlouquecer. O mundo não é um leito de pétalas de rosas, precisamente, e desenvolvemos anticorpos contra muitos infortúnios: utilizamos algumas ferramentas que nos ajudam a paliar as tempestades mentais, as perdas, mas, ao mesmo tempo, é uma monomania própria continuar insistindo nessa estirpe poética com irrigações lúdicas e sondagens na língua. As palavras que vamos tramando tanto em um papel qualquer quanto em um arquivo digital são o artifício cinético da memória pessoal. Antes que tudo caia no mais profundo dos esquecimentos – tanto para mim como sujeito, quanto para um reduzido coletivo contemporâneo – insisto em sussurrar com Artaud que a fantasia é a realidade e que a imaginação é a verdade. À medida que os anos passam, vamos desistindo de algumas coisas: por desencanto, por convencimento ou por estrita impossibilidade. Ao mesmo tempo, nos agarramos a algum equipamento que permita tatear o terreno e transferir a pesca, a anterior à sua existência e o que observou na sua. A linguagem poética não é casta: em sua manufatura, sofre-se. Eu não busco um sumário de sofisticação angelical; escrevo a partir desse ponto de vista definitivamente pessoal para que irrompa o que pobremente posso remediar de maneira tautológica: escreve-se poesia porque não se pode não fazê-lo.

GONZALO FONSECA / (Fragmento de uma entrevista concedida a Viviana Negredo)


PALAVRA BAIXA

Cobiça o rio Isar
sustentar os anseios de Paula.
Há aves na margem
e ela sussurra uma balada com sua melena na mão esquerda.
As feridas da madeira dos trilhos
com seus canais,
-gíria desses limpadores de para-brisa-
não funcionam porque é chuva e é verão
e não é Los Angeles de 1936.
Não é a primeira noite que chove e está gravando o poema do tempo
desnuda para a ocasião.
Há uma semana que chove
e repassa a palavra daquele possível pássaro que troca a imortalidade
pelo equilíbrio de uma canção em vigília.
Parcamente fissura a sombra,
ela, ou sua inflexão mesma prévia ao sonho
repassa Charles em John e em Silvia
quem sabe.
Há uma semana que chove e
aquele pássaro cerúleo da Baviera a convida a lavrar em baixa voz
a praça do descanso enquanto atravessa o Atlântico
ou talvez nada mais que dormir no sonho
do qual nunca se desperta.


OLHO NO LANCE!

flui a maré alta e de sua pata direita
apoiada em uma costa salobra
descansa
porque
apoiada na areia parece menina
longarina
parece perfeita
sua unha pintura vermelha uma escura pintura
desentortada franguinha avermelhada
sua unha sua pata sua pegada
multiplicada amanheceu sozinha

a sua trama a acaricia
o mar em bonança eu bebo e seco
sua pata nua pele de toranja de Losan
estribo eu lambo
sua pastagem fava maior Você me empresta me cede me vende
e
se permitir
a acaricio a lamino a pulo a ilumino a endireito a amarro
se permitir

Diga-me uma coisa diga-me:
sua pata curva / também a tesa
e
também todas suas polegadas
esses
rampantes arcobotantes em encaixes

Diga-me:

essa intempérie azul-grená desde sua claraboia / encurralada /
quando o poente aplaude
seus arfares suas maçãs do rosto claras seus suspiros
suas gentilezas suas avidezes suas iscas
seus olhares seus confrontos suas complacências seus corretivos
seus lábios trancados pela arrogância da tarde que foi quinta-feira
essa intempérie ao cuidar do jardim com amor

Diga-me uma coisa diga-me:

o arco de bandas as sete cores básicas a refração a reflexão a luz solar
a água pulverizada a chuva perceptível as cordas dedilhadas
no mar regadas servidas com suas unhas esferoidais
essa
sua pata curva / também a tesa
não é para elogiar?


UM POEMA

A garota da rua Ituzaingó deixa um fio.
Pela quinta avenida bem-cheirosa
alguém não muito sensato
pergunta sobre a Rússia.
Um carro passa raspando.
Pela avenida Artigas dois pontos conversam sobre um concurso.
Um caminhão os cobre de fuligem.
A porção de decência não cobre as más notícias.
Começa o Sublinhado.

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