Curadoria e tradução de Elys Regina Zils
Kris Vallejo é uma poeta e artista plástica, nascida na cidade de Tegucigalpa, Honduras, em 24 de julho de 1974. Ela é co-fundadora da “Fundación Dona Un Libro Cambia una Mente”. Em 2019, seu livro Tigres sin Memoria foi editado e publicado pela Editora Los Amorosos. Em 2020, a plaquete Materia de la Noche foi editada e publicada pelo V Festival de los Confines. Em 2021, Muerte de una Roca foi editado e publicado pela editora La Chifurnia. Em 2023, Lo irremediable es el presente foi editado e publicado pela Editora Efímera, no VII Festival de los Confines. Sua obra poética tem sido publicada em Honduras, El Salvador, Costa Rica, México, Colômbia, Bolívia, Chile, Espanha e Itália, onde foi traduzida para o italiano pelo poeta Emilio Coco na Antologia della poesia honduregna e no Almanacco dei Poeti e della Poesia contemporanea 6 da Raffaelli Editore.
SEREI ESQUECIDA
Mesmo sendo parte de todas as coisas
Serei esquecida
Na trama aberta da grama
ouço todos os nomes
e nenhum é o meu
Não importa
todo fruto será amargo
uma espada um pensamento
No deserto semeio uma árvore que cambaleando se afasta
como o livro que esqueceu sua língua
como a noite triunfante em uma tempestade
É uma vontade falecida dissolvida pelos besouros
Meu destino já não se lê nos horizontes
Apesar de tudo
Arrasto a fome do caminho que me foi negado
ÀS VEZES ME CHAMAM MULHER
Água suficiente para submergir-se
(a pista indelével que ainda povoamos com nosso corpo)
Me chamam, se é que me chamam
(tenho muitos nomes,
oblíqua e obscena me chamam,
véspera e ferroada me chamam )
Venho de onde vêm todas as coisas
(mais provável que uma balança venho, entre os sossegos de um terremoto)
Na terra angular e recolhida
(que doce o sabor dos ossos! meu canto, meu sustento)
Sou pés que se agarram onde me chamam
(pedestal espalhado em divisões atômicas, alterno de um pé para o outro para não naufragar)
Quem me dará sede se estou saciada?
Quem erguerá montanhas de sal entre as feridas da minha palavra?
Terei que beijar os lábios do inimigo
na mesma cama habitada e enternecida pelo mundo,
lá fora,
onde nos escondemos ao despertar
Na anatomia das eras
a primeira célula floresce em minhas mãos
AS HORAS ESCONDIDAS
Cravaram a poesia no nome de uma rua
o tempo ainda era pássaro de sol nascido
a idade uma pedra redonda
preso na mesma paisagem
O verde na verdade se chamava mito
os corcéis: fios dourados da velocidade
e desta vez o oceano invencível
não devolvia ondas por diamantes
Não havia oda para o desfile de girafas na escuridão
o leito deslumbrante do olho desperto
a queda do pânico diante de um dia de verão
o curso de uma lágrima e a continuidade do naufrágio
Cravaram a poesia em uma cruz
e por um tempo
o mundo girou sem nome
às portas fechadas
sem germinação nem instinto
Escrevíamos penitentes
nas margens negras da água
sobre vastas teias de poeira e cinzas
Com algo é preciso preencher os sonhos
Agora uma pena órfã busca escada e martelo
jura libertar as palavras incendiadas
batizar esta terra com seu sangue negro
a tinta tenaz
intérprete das horas escondidas
SOBRE O RIO
Repare,
nesta questão daquela mulher que nunca alçou voo
Sua cabeça sempre grudada ao chão como um animal rastejante
ouvindo vibrações de cascos ao longe
de cavalos que nunca verá
pois não há cavalos por essas partes
Ela apenas permanece lá
plantada na terra
Qualquer um diria que nasceu morta essa mulher
mas não
apenas é uma mulher
que nasceu em uma casa sobre um rio
Nas noites cem mil pedras a embalam
gemendo diante da passagem torrencial do inevitável
Inevitável também será
que a voz do rio se extinga
apesar das antigas hecatombes em seu nome
e não reste mais nada além que
uma casa sobre um cemitério
MORTE DE UMA ROCHA
Dissipa-se uma cadeia perpétua
degrau
a degrau
a fortaleza desta montanha se desintegra
anseia diante do extermínio
a geografia do tempo vivido
Morre embriagada de musgo a rocha
abre caminho para um continente solitário
A liberdade de seu mundo se reduz
ao terno silêncio que carregam as ruínas
O IRREMEDIÁVEL É O PRESENTE
O tempo é apenas uma possibilidade de existir simultaneamente. Se sou e tenho sido, por que não hei de ser mais? No final, nunca sairei desta casa; o cheiro de rosas no pátio é uma lembrança de reclusões voluntárias. O pó envolve as soleiras e o pássaro que espreita, tênue como a sombra do tempo, murmura que não há tempo. O grande vazio do presente, que se abre diante de nossos pés, é uma fonte desconhecida.
Continua a mania de confundir o verão com sangue fresco que ainda pinga das árvores. Do espaço, nada se distingue, exceto uma briga de animais selvagens. Parece um baile imóvel lá de cima, não há passos incorretos, apenas existir no momento em que acontece.
Abaixo e dentro, mais profundo. Onde o eco dos sonhos se forma, a briga é como um balé da carne que pugna para não deixar de ser.