Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils
Luz Méndez de la Vega (Guatemala, 1919-2012) foi escritora, autora de numerosos ensaios, antologias de poesia guatemalteca e pesquisa literária. Ela era filha de José Méndez Valle e Susana de la Vega. No final de 1919, José Méndez Valle emprestou sua casa para que ali se reunissem membros de um partido político contra o presidente, Manuel Estrada Cabrera. Após vários acontecimentos no país, a família Méndez de la Vega teve que se exilar no estado mexicano de Chiapas, onde Luz iniciou seus estudos em uma instituição laica. Quando a família voltou para a Guatemala, ela estudou em um internato para freiras em El Salvador. Lá teve a oportunidade de conhecer a poetisa chilena Gabriela Mistral, que a inspirou a seguir sua carreira literária. Retornou à Guatemala para continuar seus estudos no Instituto Normal Central para Señoritas Belén. Concluiu os estudos secundários no Liceu Francês e ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de San Carlos de Guatemala —USAC—. Em 1942, começou a trabalhar como colunista do jornal El Liberal Progresista, cuja tendência era a favor da política do presidente Jorge Ubico Castañeda.
Em 1944 abandonou os estudos universitários e casou-se com Alfonso Asturias, com quem teve três filhos. Méndez de la Vega teve sua primeira filha aos 20 anos e mais tarde se formou em Letras na USAC. No início da década de 1960, viajou com a família para a Espanha, onde fez doutorado em Letras na Universidade Complutense de Madri, na Espanha. Ao retornar à Guatemala em 1965, divorciou-se e começou a dar aulas de literatura na USAC. Nessa época, publicou alguns ensaios no renomado jornal guatemalteco El Imparcial. A partir de 1970, dedicou-se com um grupo de mulheres à causa e aos estudos feministas. Teve um trabalho relevante no jornalismo cultural. Foi nomeada membro da Academia Guatemalteca de la Lengua, correspondente à Real Academia Española, e realizou pesquisas para resgatar a obra de escritoras da Guatemala. Méndez faleceu no Dia Internacional da Mulher, 8 de março de 2012, aos 93 anos.
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A poesia de Luz Méndez de la Vega provoca a sensação de uma terra fértil onde a todo momento brotam plantas nos surpreendem pelos atributos que as diferenciam e que no seu conjunto enriquecem os sentidos. Da mesma forma, as palavras que povoam seu universo poético, aquelas que expressam sentimentos com os quais nos identificamos, as metáforas que as amplificam e acentuam, confirmam que estamos diante de uma das obras mais densas da poesia guatemalteca.
Tal densidade tem vários significados, entre os quais se destacam a perfeição formal, a profundidade, a clareza e a simplicidade de seu pensamento, bem como a disciplina que Luz mantém na realização de sua obra, tudo isso se traduz em uma poesia decantada e coerente. Devemos acrescentar ainda um ritmo melódico próprio de quem, exigente consigo mesma, se deu a tarefa de estudar a fundo a natureza da poesia, a leitura dos clássicos —Petrarca é um entre muitos que admira—, que se converte em uma sólida construção de seu mundo poético em que ritmo e imagens nunca são gratuitos.
A perfeição formal em Luz Méndez de la Vega tem a ver com a clara distinção que faz entre prosa e poesia quando escreve, pois estas não são formas antitéticas, mas complementares e são utilizadas de acordo com a precisão e a intenção do que se deseja comunicar. Ela nos mostra claramente no corpo poético deste livro, nos ensaios que escreveu ao longo de sua vida literária, em seu teatro e em seu trabalho jornalístico, pois dá a cada uma dessas linhas o tratamento correspondente.
FRANCISCO MORALES SANTOS
VIRTUDE SUPREMA
Se eu fosse um homem
se acotovelariam rindo,
ao me ver
como um velho alce
testa para frente pelo peso
e o ramo
da galhada que
—embora invisível—
todo mundo olha, colocada por você,
na minha cabeça.
Mas como sou mulher,
precisamente,
vem o mesmo e louvam
unânimes,
em coro de admiração,
como diadema esplêndida
ou auréola de santa.
Virtude suprema, então,
que leva ao céu
à mulher,
e ao homem,
mergulha em infernos
de zombaria e humilhação.
BIOLOGIA É DESTINO
a Freud.
Porque meu cérebro pesa
algumas gramas a menos
e meus músculos não alcançam
a potencia
dos recordes masculinos
dizem:
que biologia é o destino
(destino ao serviço)
porque minhas glândulas
me condenam
a dessangrar a cada lua
e o cheiro e a cor
do meu sangue lembra
minha pouca natureza angelical
dizem:
que biologia é destino
(destino inferiorizante)
porque me falta
um sexo protuberante
entre as pernas,
que me libere do compromisso
de passos lentos
e saliente ventre
depois de um fugaz orgasmo,
dizem:
que biologia é destino
(destino para fralda, vassoura e cozinha).
Porque a história registra
milhares de nomes masculinos
e poucos de mulheres
que venceram as flamejantes espadas
dos arcanjos misóginos
de fama,
dizem:
que biologia é destino
(destino à ignorância)
E com tantas evidencias,
devemos estar orgulhosas
quando nos elogiam magnanimamente
nos discursos oficiais
dizendo:
por trás de um grande homem
há sempre uma grande mulher
e esquecem
—astutos e olímpicos—
de acrescentar
o qualificador justo
de: frustrada.
TRANSCENDÊNCIA
Entre minha pele e a sua
o muro impossível
e o abismo, intransponível
que não apaga,
mais que um instante,
o deslumbramento cegante
do êxtase,
relâmpago aniquilador efêmero
de realidades.
Limite insuperável,
a solidão do corpo
que envolve
o faminto vazio,
em torno de onde cresce
concreta muralha
de carne, ossos e nervos;
sobre a qual se ergue,
única vencedora,
a palavra.
A palavra que atravessa muros,
cruza abismos,
anula distâncias
e nos penetra
intensa
para permanecer.