3 Poemas de Carlos Francisco Monge (Costa Rica, 1951)

| | ,

Curadoria e tradução de Floriano Martins

É sempre difícil lidar com a questão das classificações geracionais; não porque pretenda ignorar a utilidade prática para uma boa história literária em nosso país, mas porque elas costumam estar sujeitas a muitos outros fatores que vão além da mera cronologia. Como alguns outros, a proposta geracional do professor Cedomil Goic me parece muito boa, mas insuficiente quando tentamos utilizá-la em determinadas literaturas nacionais. Quando apareceu o que você chama de meu primeiro livro – na verdade é um panfleto de vinte e quatro páginas – eu era um garoto de vinte anos que mal fazia suas primeiras armas no meio literário de San José. Sim, tive uma relação com alguns jovens poetas que já tinham um certo nome no campo literário: Julieta Dobles, Laureano Albán, Marmelo Duncan, Rodrigo Quirós, Alfonso Chase, e aos poucos me senti mais um convidado da atividade literária dos anos setenta. Minha participação nas oficinas do Círculo de Poetas Costarricenses foi, talvez, mais decisiva, porque dele se aprende mais; por exemplo, o Manifesto transcendentalista que assinei com alguns outros colegas.

[…]
Todo poema é sempre uma tentativa de dizer o não dito; ou melhor, por assim dizer, mas de uma forma diferente e inovadora. Em seguida, o poema carrega o desejo de mudar a tradição, de revolucioná-la em seu sentido mais profundo. Essa minha poética que você mencionou foi o resultado de uma brincadeira muito jovem; Foi incluído – ele teve que incluí-lo por razões de oportunidade editorial – pelo poeta Carlos Rafael Duverrán em sua antologia Poesia Contemporânea da Costa Rica, mas seus conceitos agora me parecem muito básicos e, se você preferir, muito elementares. O que é “romper com o estabelecido?”, Pergunto-me agora. Claro, naquela época eu me referia a uma crítica aos valores da cultura de massa, à axiologia da crescente tecnocracia e, acima de tudo, ao poder político que com mais evidências se tornou – nos tornou – cada vez mais corrupto. Como quase todos eles, nossa promoção poética nasceu rebelando-se e protestando, e passamos por aquela febre sempre tão edificante, de confundir o artista com o ativista. Muitos continuaram como ativistas, outros como artistas; e outros nem um nem outro.

CARLOS FRANCISCO MONGE
Fragmentos de entrevista concedida a Luis Bolaños Ugalde, 1991.


OS DIAS

Nascem portas, árvores, distâncias
povoadas por um silêncio angustiante
porque a tua voz não sabe amarrar-se
a este local abundante de minhas palmas;
amor, nascem de ti os pactos loucos
e amor edificado e tarde aberta
e rastros rastros rastros. Sol nu.
Os dias se acumulam em tuas mãos
e a carícia é o lugar do mundo,
e fundas vocações, labirintos,
sonhos de um laranjal, ilhas de espanto,
matérias com que o pão cobre os séculos.
As pedras amanhecem, salta o beijo,
e passo a passo vais medindo o cardo,
o quarto perdido entre suas coxas,
a grande zona central do minhas pulsações.
Livre teu corpo esgota séculos, anos,
e o mundo da casa é um espelho cego
onde o mar de meus tremores escapa.
Ah, nossos dias, orlas de alegria,
ansiados litorais, rumos certos
e um medo de chegar, amor, ao pulso
que avança, é claro espaço, e nos impede.


METAFÍSICA PARA UM INSTANTE

Quanto trabalho custa
não ser autobiográfico;
deixar o pó cair sobre os sapatos,
deserdados, maltrapilhos;
excluir qualquer ruído mortal,
fazer da quietude apenas um fantasma antigo e aceitável,
e a noite e os móveis e o mar apagados,
e misérias sem fim.
Com que amor repentino admitimos os fatos:
amargura
de quem sobrevive espremido no tempo,
uma dor intercostal repentina,
a loucura do mar que se agacha destrói
ou murmura ou esplende;
a cinza que vem de longe
e arruína colheitas e assim adverte
o que fomos e seremos.
E ali, onde menos se espera,
um buraco, uma mínima greta
a ser reparada,
tateando, tanto faz,
antes que o terror se espalhe
pelos despenhadeiros, pela ruína total.
Devemos garantir
que cada sombra chegue a seu lugar preciso,
sem qualquer metáfora, sem entulho,
sem repetições ou zeugmas;
garantir que as estações,
com suas pausas e avanços,
nos apalpem, vigiem, reconheçam
qualquer sussurro estranho na corrente sanguínea
e saibam como fazer, como durar.


O ERRO

O que fazer com o erro?
Deixar passar diante do nariz
com seu voo zumbidor?
Apedrejá-lo em sua fuga
como o cão vadio que veloz e zombeteiro
nos escapa?
Levá-lo até a asfixia,
até a insônia, talvez?
O que fazer quando o sangue recuar
sem qualquer transparência,
sem mais matéria do que o horror diante da luz destemida?
O que fazer quando sua areia suja,
sua máquina incessante,
olham para nós, perseguem-nos
como o besouro de barriga para cima,
míseros e indefesos,
indagando por tudo?

Deixe um comentário

error

Gostando da leitura? :) Compartilhe!