Curadoria e tradução de Floriano Martins
César Bisso (Coronda, Santa Fé, 1952). Escritor, sociólogo, jornalista independente, ex-professor universitário. Livros publicados em poesia: Poemas de taller; La agonía del silencio; El límite de los días; El otro río; A pesar de nosotros; Contramuros; Isla adentro (Primeiro prêmio de poesia José Pedroni); Pedroni); De lluvias y regresos; Las trazas del agua (antología); Permanencia; Coronda (poesia recolhida editada em Bogotá, Colômbia); Un niño en la orilla (Segundo Prêmio Municipal de Poesia Cidade de Buenos Aires); Andares; La jornada (Terceiro prêmio Fundación Argentina para la Poesía); De abajo mira el cielo. Em ensaio: Cabeza de Medusa. Na narrativa: Latinoamérica cuenta 2021 (livro com vários autores publicado em Medellín, Colômbia). César também publicou ensaios sociológicos em livros coletivos e revistas acadêmicas. Foi convidado a participar de diversas edições de feiras do livro, festivais de poesia e encontros culturais realizados em cidades da Argentina, América Latina e Europa. Alguns de seus escritos foram incluídos em várias antologias publicadas no país e no exterior; outros textos foram traduzidos para várias línguas.
CRIATURAS DA COSTA
É o homem que desliza ao longo da praia, não a água.
Ela está quieta, em luto de inverno.
Abriga criaturas lívidas desejadas pelo caçador.
A pálpebra não se cansa, pressente o que virá.
Sombras selvagens ondulam o crepúsculo.
O tiro é apito de vento preguiçoso.
Um ruído expira entre as asas de siriris que se erguem atrás dos juncos.
A paisagem transforma o gesto do homem, não o canto enfurecido.
Para onde vai o sangue, onde cai a plumagem sem corpo?
O caçador levanta a presa por cima do ombro e volta para a toca.
Os patos orbitam a costa. A calma corta a lama.
Apenas o silêncio aguarda a morte futura.
A água é a última fortaleza.
SOLIDÕES
Uma ilha deserta não altera o tempo.
Ao puro sol e lua as árvores são nutridas,
a água, a lama que segura os juncos
e a energia bestial oculta no capinzal.
Inspira silêncios de vegetação intensa.
Ela se despe atrás da névoa do leste
e se cobre com as folhas do crepúsculo.
A ilha baldia perdura na aura do rio,
no feitiço de uma selva sem margem.
Cada criatura sente seu curso selvagem.
Apenas a sombra do homem se perde.
TRILHA DA ÁGUA
Ouça a canoa,
ela fala com a voz da água.
A frase de meu pai
ressoa em remos dóceis.
Circula as zonas húmidas do monte,
tão distante,
onde os córregos drenam
na substância da ilha
e as laranjeiras
saem ao encontro do sol.
A voz da água é a infância.
Luz e sombra do primeiro desejo.
Tremor de verão quente
nas espigas do velho curupi.
Nuvem nublada fica verde,
ainda mais verde
ao cair como uma expiração
no fogo do universo.
Ouça a canoa.
Revela o milagre do regresso.
A teimosia de ir e vir.
Atravesso a trilha da água.
Eu ouço sua voz. Diviso Coronda.
Recordo o adeus de meu pai.
Vou lá. Ávido de vida e morte.
A infância arremete com seu punhal.
O acordeão melodioso das ondas
estremece a serapilheira.
Na margem descascada vibra o canavial.