3 Poemas de Israel Domínguez (Cuba, 1973)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Elys Regina Zils

Israel Domínguez nasceu em Placetas, Villa Clara, Cuba, em 1973. Atualmente vive em La Habana. É poeta e tradutor literário. Licenciado em Língua Inglesa. Membro da UNEAC (Unión de Artistas y Escritores de Cuba). Recebeu vários prêmios, entre eles o Calendario (1999), José Jacinto Milanés (2000), Dador (2005), La Puerta de Papel (2012, 2015) e o Premio de Poesía La Gaceta de Cuba (2016). Publicou os livros de poemas Como si la muerte hubiera sidounsueño (Ediciones Vigía, 1998), Poemas tempranos(Ediciones Aldabón, 1999), Invitaciones (Ediciones Vigía, 1999), Hojas de Cal(Ediciones Abril, 2001), Collage mientras avanza mi carrode equipaje(Ediciones Vigía, 2002), Sobre un fondo de arena(Colección Sur, 2004), Después de acompañar a William Jones(Letras Cubanas, 2007), Del ciruelo y otras observaciones (Ediciones Vigía, 2009), Viaje de regreso (Ediciones Matanzas, 2011), Los mares profundos (Ediciones La Luz, 2011), En dirección contraria (Ediciones Aldabón, 2014) e Return Trip (The Operating System, 2017). Seus poemas aparecem em antologias e revistas nacionais e internacionais. Colaborou com revisões e traduções em diferentes publicações. Traduziu para o espanhol a coletânea de poemas Del pequeño Charlie Lindbergh y otros poemas, de Margaret Randall, publicada pelas Ediciones Matanzas. Participou da expedição poética La Estrella de Cuba. Foi convidado para a Feria Internacional del Libro de Venezuela (2008, 2010). Participou do Festival Internacional de Poesía de Medellín e da Feria Internacional del Libro de Antofagasta (2016). Foi editor das Ediciones Aldabón.


CAVALOS


1

Para o lugar mais íntimo do homem
chegam os cavalos,
ali onde tudo é virgem e diferente.

Embora se diga que a noite
      é o momento certo
para que cheguem
é necessário apenas que o homem
       afogue suas penumbras
e esteja pronto para descansar.

Alguém poderia confundi-los
com a causa de tanto pesadelo.
Mas quem viu
       aqueles que dormem em paz
garantem que um cavalo
é o portador das origens mais nobres.


2

Imaginar um cavalo
é como imaginar a Deus.

Deus é a folha
                  que cai devagar
                                           sobre a água
como a própria água recebendo a folha
com toda mansidão.
Mas Deus não é a folha
                                     a plenitude da água.
Pelo contrário, é instinto:
a suavidade da queda,
a mansidão do acolhimento.


3

Aparecem de repente diante dos olhos
De quem já olha com calma
a luz começa a se mover como um pássaro
cujo ninho foi arrebatado
o pássaro mal move as asas
e não é pássaro, mas tigre
perseguindo silhuetas deliciosas
salta o tigre e não é senão uma menina
detida na beleza de suas carnes
e a menina será menina por segundos
e o casal casal por segundos
e a cidade por segundos…
até que de repente
como se alguém acendesse as luzes
      de um cinema
aquele que olhava com calma
começa a ver uma clareza embaçada.


4

Uma sombra esperando a cada momento.
Em seu verde ergue-se a pira
onde queimam as fundações.
Do azul é feita a máscara
com que a besta engana os guardiões do sonho.

Em cada momento uma sombra à espera
de que a luz abandone seu hábito
de iluminar os agradáveis corredores.


5

Então o homem não descansa.
Confundiu a luz com a clareza,
o repouso com o simples ato de fechar os olhos,
a paz com a passagem silenciosa da besta
que espreita seu descuido.


DEPOIS DE ACOMPANHAR A WILLIAM JONES

Pergunte meu nome… diga:
“Logo te vejo”.
Ver —neste caso— não significa se encontrar,
muito menos descobrir.
William Jones
—cliente do quarto 4372—
quis dizer
que quando tiver mudança
dará alguma gorjeta.

Já vi ele passar mais de uma vez.
“Se esqueceu”,
digo para não me chatear
com a possibilidade de engano.


O TAC-TAC DO CHINELO ESQUERDO

en ese limo se hunden mis ojos
Maiakovski

ponerlo a la mesa, mostrarlo a los amigos
Alberto Rodríguez Tosca

Quando minha mãe arrasta a perna
eu não sinto pena como o vizinho
     que cumpre o seu dever de bom cidadão:
a dor se encharca
e a alma se cobre de limo.

Quando no escuro do corredor imaginário
minha mãe caminha, e enquanto avança
ressoa o tac-tac… do seu chinelo esquerdo
não tenho pena como o bom samaritano:
pelas minhas veias flui um rio de fogo
e as paredes tremem agitando o ácido
       que se concentra nas articulações.

Minha mãe arrasta junto a sua perna
o Alzheimer da minha avó
e não tenho pena como o espectador que se reconforta
com o show da podridão alheia:
minha dor é a dor de César Vallejo:
hoje não sofro sozinho.

Minha mãe arrasta junto a sua perna
a tragédia de meu pai, a alegria estúpida dos inimigos,
a indolência, o marabu…
e não tenho pena como simples companheiro:
enfurecida sangue e com um golpe
jogo fora as misérias.

No entanto, nem sempre foi minha mãe
    a angústia que hoje me sufoca.
Houve um tempo de epifania incorruptível:
um ar fresco e saudável que inundava a casa,
um instante em que se acreditava no amor como em quase tudo,
e minha mãe era a linha cintilante,
a doce e ingênua ideia de que nada ia acabar.

Tento me conformar
mas a conformidade é uma faca de dois gumes.
Tento aceitar, e embora eu saiba que a vida
     sempre abre uma porta
colocar a cabeça onde vai o coração
é o belo traje da sabedoria
que é inútil para mim agora.

Se minha mãe é a dor permanente, também pode ser
     o único alívio para essa dor.
Vejo minha mãe incansável, dura como um machado,
acomodando o Abadom de sua cervical
com a mesma humildade com que um varentierra resiste a um ciclone.
Quando está prestes a dizer chega, já cansei
o gesto se suaviza, recobra seu rosto a doçura de sempre
e transforma o Alzheimer em uma criança arrumada e cheirosa.
Vejo minha mãe arrancando os coágulos que grudam
      nas folhas do mar pacífico.
A vejo com sapatos gastos, mãos limpas
enquanto caminha pelo sendeiro da Gran Marcha
e sustenta o peso de um ideal
como quem carrega em seus braços
uma pilha de cana queimada.
A vejo se sacrificar (se necessário, deixaria de existir)
para que seu filho vaidoso escreva versos
que provavelmente não vão mudar nada
nem ninguém.

Quando minha mãe arrasta a perna
eu me pergunto:
De que material são feitos os seres
que arrastam a dor
com a mesma paciência
com que oferecem a vida.

 

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