3 Poemas de José María Eguren (Peru, 1874-1942)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Como sabemos a beleza se expressa através da arte, que é sua figuração ou reflexo. O homem não chega a criar; somente compõe e inventa. A arte é somente uma metáfora e ao artista chamamos criador por semelhança. O conjunto crescente de todas as artes, em uma grande metáfora, seria o espelho mágico do espírito. A música é um pressentimento, a poesia uma determinação; as manifestações desta parecem explicativas, porém se houvessem comparação entre as artes seria a primeira; pois uma pintura, melopeia sem poesia, é um signo morto. A criança sorri desde o berço à bondade e à graça; notas de beleza. Depois escuta o canto, corre para sua primeira paisagem; vêm os anos e sua beleza é amor. Sempre recordará seu canto, sua paisagem e seus rubros cravos; voa o tempo, vai se apagando o sino e os olhos se cobrem. De tarde em tarde retorna a distante aurora que acreditávamos morta: um sonho infantil de átona doçura ou um rosto tênue nos encantam. Vi em uma sala marinha, sob o mesmo pórtico com igual sombra azul, a cara em branco e céu que sonhei antigamente. Toda beleza tem um raro poder, causaria temor como tudo o que parece superar as leis naturais; mas o temor pertence ao campo do sublime. A beleza deve ser suave, pois é um movimento inicial de simpatia. É difícil distinguir o belo do sublime; o bambu sussurrante da serpente harmoniosa. A beleza é o bom como princípio puro; é a harmonia do mistério; sem este se apaga em um compasso monótono, no nada. As belezas naturais são arcanas; fogem dos sentidos, pulsam em um contínuo despertar; princípio da vida, têm algo de infantil e feminino. A formosura do homem tende ao sublime, à força elementar; a da mulher, à sensualidade, ao ideal; por sua delicadeza remonta ao ponto mais alto, como a libélula. A classificação da beleza seria interminável; existem características gerais, afinidades entre a mulher e certas plantas e gemas; esquemas raros que se tocam. As espécies espirituais são imperceptíveis e inúmeras. Como há famílias e gerações atávicas de uma paixão dominante, assim há espécies de beleza que correm em uma mesma linha; um mesmo amor as modela e precisa e se plasmam em símbolos viventes. A beleza é uma síntese; seja a canção simétrica dos melodistas ou as vacâncias madrugueiras de Debussy: “la fille au cheveaux de lin” ou o Scherzo de Prokofieff. O bom requer um juízo; é par e consoante; o belo é uma harmonia ascendente, aberta a dissonâncias. A pintura é a mais objetiva das artes. Picasso, Chirico, vários surrealistas, afirmam-na arte própria do homem, que não imita o objetivo circundante, campo da Geografia. A Natureza é bela enquanto é dinâmica. Voadora e imanente, cria estados de alma e múltiplas sugestões. No sonho da manhã o canto da ave triste parece que abrira uma porta mágica. A beleza de amor é o grande mito, a primeira cor, a primeira luz, o acento que ditou o poema do universo inefável. Desperta na manhã das rosas e esvoaça nos olhos da ruiva que acendem as lâmpadas da tarde. A paixão nos olhos; há um tremor azul em todas as distâncias; um idioma não inventado e pressentido que cantará ternura em vez de outras canções. O conhecimento da beleza é a sabedoria, a máxima penetração, no elã de um novo plano sensorial, a ilha do poder e da bondade criadora. O enigma; os insetos da noite coloridos e invisíveis para o homem indicam um mundo ignorado e sensível. Há rostos de mulheres que parecem surgidos desta névoa mística. De Botticelli a Ernst vibra a glória dos olhos infantis da sombra. Não é a penumbra endemoninhada que oculta o mito das cem faces, é a beleza feminina que triunfa na noite, o apocalipse das flores e das virgens. O amor elege a mulher, a coroa de sonhos magos, lhe pinta a fronte e as pupilas de esperança. A beleza natural e a artística correm paralelas.

[…]

A beleza é de origem divina; os gregos a adoraram: Ruskin fez dela sua religião. O amor é o apogeu da beleza e a primeira virtude. É espontâneo, nem a inteligência, nem a vontade o adquirem, costuma ser posto em fuga com a suavidade que trouxe, nos rende como o sonho. O princípio do amor é uma nota de doçura, algo imperceptível por sua tenuidade; nasce no íntimo do ser, no coração e vibra em toda a Natureza.

[…]

A beleza é a berceuse da vida, a emanação de um plano superior, de um céu; é o princípio inovador da existência, uma afirmação e uma esperança. Pelo andar dos anos são descobertos os tons prístinos nas rosas dos sonhos e nas umbelas melodiosas, nos quiosques celestes e nas miniaturas da noite. Há belezas que parecem hostis, inadaptáveis a este mundo dual de forças encontradas; nesta dupla terrível de amor e morte. Na espantosa ronda das almas negras e das horas vulgares, no pórtico da retirada, vibra um canto de graças pela primavera das flores e a balada da lembrança, pela beleza do amor, única razão da vida.

JOSÉ MARÍA EGUREN / “Motivos estéticos”. Revista Amauta # 29. Lima. Março de 1930.


CANÇÃO CUBISTA

Alameda de retângulos azuis.

A torre alegre
Do dândi.

Voam
Borboletas fotos.

No arranha-céu
Um galo negro de papel
Saúda a noite.

Além de Hollywood,
Na escuridão distante
A cidade luminosa,
Dos obeliscos
De madrepérola.

Na névoa
A garçonete
Estrangula um fantasma.


PEREGRINO CAÇADOR DE FIGURAS

No mirante da fantasia,
ao brilho do perfume
trêmulo de harmonia;

na noite que consome chamas;
quando dorme o pato-selvagem sem plumas,

Os órficos insetos se subjugam
e fumam vaga-lumes;
quando brilham os silfos galões, enrolo
e voam as borboletas de cortiça
ou os vampiros ruivos gaguejam,
ou as corcovas firmes vagam;
na noite das sombras,
com olhos mortos e narizes compridos;
no mirante distante,
através das planícies;

Peregrino caçador de figuras
Com olhos de diamante
Mira das alturas cegas.


OS MORTOS

os mortos nevados,
sob o céu triste,
descem a avenida
enlutada e sem fim.

Vão com as formas murchas
entre as auras silenciosas,
e da morte dão o frio
a salgueiros e lírios.

Lentos eles brilham lentos
pelo caminho desolado,
e sentem falta das festas diurnas
e dos amores da vida.

Ao caminhar os mortos
alguma esperança buscam:
e olham apenas a foice,
a triste sombra ensimesmada.

Na noite erma das brumas
e na penúria e no arrepio,
vão os caminhantes distantes
pela avenida interminável.

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