3 Poemas de Karen Valladares (Honduras, 1984)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Karen Valladares (Honduras, 1984). Poeta e gestora cultural. Ex-integrante das oficinas Edilberto Cardona Bulnes e Máscara Solta. Foi membro da Associação Nacional de Escritores de Honduras (ANDEH). Codiretora da revista Metáfora, membro fundador do movimento literário Poetas del Grado Cero. Membro da editora de papelão Grado Cero. Textos traduzidos para inglês, alemão e polonês. Publicou: Ciudad Inversa (Grado Cero, 2010). Seu trabalho está incluído em antologias como: Sociedad anónima (editorial pez dulce, 2007); Antología 2017, nuevos poetas contemporáneos de América Latina (Miselena Caserola, Argentina, 2010); Recopilación de poesía femenina iberoamericana (Cascadas de palabras, 2010); Canto de sirenas, autoras iberoamericanas; Barcos sobre el agua natal, antología de poesía hispanoamericana del siglo XXI, editorial Litoral. Seus poemas aparecem em importantes revistas de literatura latino-americana. Participou de vários festivais e encontros literários em seu país e no exterior, entre os quais se destacam: 1º Encontro Centro-Americano de Escritores, Honduras, 2005. El pacificoscribes, Acapulco, Gro, México, 2010. 1º Encontro Latino-Americano de poesia jovem Vásquez de Coronado, Costa Rica, 2010. XX edição do FIPR (Festival Internacional de Poesia de Rosário), Argentina, 2012.


CIDADE INVERSA

Ninguém sonha com o mundo
Jorge Luis Borges

A cidade
é uma lâmpada
um leque.
Por vezes
é um pássaro,
espelho da morte,
poeira de nosso próprio corpo.
Uma criança que nos usa como pipa,
um cachorro que lambe nossas sombras.
Homens e mulheres
que avançam em qualquer direção.
Às vezes simplesmente não avançam.
É longa,
imóvel
sem fôlego.
A cidade não é nada mais
restos de lixo
voando em um céu negro
ou azul
ou amarelo.
Esta cidade
é como um verso ruim
“É uma batalha silenciosa no crepúsculo,
Um toque de guitarra ou uma espada velha.”
A cidade
é um rio
carregado de pedras
onde a pedra atinge o rio.
Esta cidade,
esta cidade precisamente
é o mundo
com o qual ninguém sonha.


AMANHEÇO

Eu amanheço, e não precisamente na manhã.
Abro os olhos e caminham devagar, procurando o que se desconhece.
Aqui as primeiras horas engolfam completamente a casa.
Algo continua batendo dentro de mim
e meu corpo estendido na cama,
pensando em tudo
pensando com os olhos abertos
com as mãos abertas
com o coração aberto como uma flor
com as palavras abertas, embora mudas,
com os pássaros noturnos indo para seu ninho
e não para meu telhado
e não para minhas árvores
e não para meu quintal
e não para pender nas varandas
a cantar o que vier à mente.
Amanheço, e não precisamente na manhã
não precisamente na tarde
não precisamente na madrugada.
Aqui o tempo disseca
torna-se outro
se reinventa
renasce
foge
e volta sempre que quiser.
Eu amanheço
e não precisamente
nas jornadas corretas do tempo.


FALAREI DE MINHA INFÂNCIA

Vou falar das pequenas crueldades da infância
Anne Sexton

Falarei de minha infância,
de meus vestidos quadriculados,
de meus pulsos empoeirados,
de minha casa de madeira.
E direi que sou a segunda filha,
que sou a única mulher,
aquela que sempre brincou sozinha,
com todos os fantasmas da casa,
a temerosa.
Falarei de minha infância,
de todas as doenças que me cercavam,
do vento que congelou a janela desmoronada,
de todas as vezes que meus pais chegaram do trabalho no meio da noite,
das vozes que vinham do quintal,
dos fantasmas que falaram comigo de dentro do armário,
de dentro do livro antigo que nunca tentei ler
cujo título não recordo.
Do vidro embaçado do espelho,
novamente o espelho embaçado.
Falarei de minha infância
sem medo de regressar a ela
para voltar a vivê-la
voltar a andar,
com os joelhos empoeirados,
os cabelos compridos até a cintura,
a timidez fria em meus olhos,
o silêncio transbordando de minha boca,
a solidão em meu quarto,
a solidão em todas as paredes de minha casa,
a solidão,
sempre a solidão
silenciando minha voz inocente
que guardei durante toda a infância.

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