3 Poemas de Lety Elvir (Honduras, 1966)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

A poeta e narradora hondurenha mostra notável facilidade tanto em versos quanto em prosa. Os poemas de uma fase juvenil, publicados em Luna que no cesa (1998), revelam uma identidade feminina que luta para se abrir, ainda que para isso tenha de enfrentar os estereótipos tradicionais apreendidos. Assim, no poema “Chapeuzinho Vermelho”, o eu lírico se afirma em uma identidade feminina que se realiza por meio da dedicação amorosa. Os poemas publicados em Mujer entre perro y lobo (2001) expõem, sem nenhuma vergonha, a cruel realidade de um eu lírico dividido entre o desejo masculino e a realidade feminina. Em “Imperfecta dama”, lemos: “Ele queria ter / mulher com dia e noite / cantorias de embalar / bolo aos domingos. / Uma cozinha branca / paredes sem agenda / mulher doce / ovelha de algodão. / Mas ela costumava ser / metáfora do alho / ambiguidade com o tempo / água entre as mãos / ponto de fuga no retrato da distração / sexo e amor / senhora imperfeita / mulher entre cachorro e lobo.”

[…]
Os poemas de Lety Elvir descobrem uma escritora comprometida com sua realidade social, aberta à dissecação de assuntos privados e, sobretudo, públicos, aqueles que afetam os indivíduos como membros de uma comunidade. Em contraponto, a prosa que se materializa nas histórias pertencentes à coleção Sublimes y perversos (2006), reflete os meandros mais íntimos e secretos das identidades femininas que se caracterizam, principalmente, por serem sujeitos sexuais, ou seja, porque confirmam suas diferenças com o sujeito masculino pela expressão, sem entraves, de uma sexualidade intensa, rica, sem limites ou obstáculos. A crítica feminista Consuelo Meza afirma que essas histórias se apresentam como um labirinto onde as personagens femininas subvertem e desorganizam a ordem patriarcal; convidam também à irmandade, à cumplicidade, à felicidade e à alegria de ser mulher. O conto “Uma questão de cheiros e honras” narra o desentendimento entre Sara e Adriano, quando a alegria pela chegada do primeiro filho do casal se transforma em discórdia porque Sara não consegue viver seu estado como ideal, como a tradição impõe por séculos às mulheres. Não aguenta o cheiro de frango frito, e o pior é que o próprio Adriano transpira, fazendo Sara vomitar cada vez que ele se aproxima dela. O trágico é que o cheiro de frango frito tão sufocante para Sara está relacionado aos boatos “que circulavam e diziam que gangues de drogas e assassinos de galinhas haviam se apoderado do país, as evidências se baseavam no fato de que drogas e comidas prontas de frangos fritos eram vendidos em todos os lugares ”. Seja por medo, seja por dúvida ou desconfiança, a verdade é que Sara repudia o contato com Adriano, que acaba abandonando-a. Ela fica sozinha trocando fraldas, embora se reconheça feliz e tranquila em sua solidão.

JOSUE ALVAREZ


PALESTINA, TEU NOME

Palestina seu nome
pesa
arde
flutua
no gelo da tempestade.

Desaparecem tua extensão
encolhem tua silhueta
reduzem teu mapa original,
a ignomínia aumenta,
também sua imensidão.
Como esquecer teu sangue
nos olhos do terror
no grito do nada
na janela da dor.
Como se esquece o veneno
a pedra, a bala, a mentira
no meio do horizonte
nas margens da orfandade.

Palestina
tua boca em meus olhos
tua infância em minhas filhas.

Em minha mente
a memória da noite
do sal, do orvalho.
Invencível
resistência
o mundo teu.
Cairão a teus pés
a cobra com duas ou mais cabeças
as paredes, as prisões, os holocaustos
a bota que esmaga o ramo de oliveira

Palestina teu nome
tão profundo quanto Honduras
                  – tão terra
                  arrebatada
aos pedaços aos rasgos às patadas
onde a esperança
bem poderia chorar no vale de teus lírios.


A HISTÓRIA QUEBRADA

Para Camille Claudel

Com sabor de loucura
vai contando os dedos
falando baixinho
para não machucar a chuva

Com sabor de loucura
vai cortando o cabelo
chovendo devagar
para não afogar a lua

Com sabor de loucura
desejo está engolindo
bebericando um pouco
toda a barra de dúvidas

Aromatizado com loucura
vai tirando suas roupas
dançando em penumbras
para o que já não a espera
em silêncio foi embora
roubou seu quarto, seu nome
e também os aplausos

Com sabor de loucura
desenha a sua mente
lagartos seus braços
serpentes seus seios
Vênus, a do monte sáurio
pássaros suas mãos
papoulas seus olhos
tucanos os pés
as nádegas são ondas
aluvião suas ideias
Quetzalcoatl sua língua
de barro suas pernas
cintura choques elétricos
Cala a boca, louca!

Sua pele, savana de mármore
para que o fantasma
esculpa sua assinatura
cuspa seu sêmen

Com sabor de loucura
vai escrevendo a história
com palavras mudas
cegas camisas de força

Com sabor de loucura
vamos todos pelo mundo
esmagando sorrisos
cavalos azuis.


EU TE DESPI DEBAIXO DE UMA MACIEIRA

I.

Eu te despi debaixo de uma macieira
suguei teus mamilos
e entre os pelos de teu peito
enredei a minha língua.
Vi tua carne crescendo
como uma papoula de rocha firme
e doce foi o teu beijo em meu beijo
como leite e mel
e tíbio foi teu suor sobre meu suor
como vinho pura. Oh meu Deus!
nunca afastes de mim este paraíso.

II.

Ao cair da noite
meu cabelo envolve
o corpo de meu amado
derramo meu perfume sobre seus pés
sua cabeça, sua boca
e o luar de seu dorso
e ele me pede mais.
Que ninguém o impeça
que ninguém se meta
nem mesmo a morte
que aguarda por ele.

III.

Entrei na casa de meu amado
e sobre suas pernas me sentei
suas mãos como hábeis aves
descascaram uma a uma as espigas
e juntos conhecemos que as melhores terras
sempre têm a seu lado
um rio ou as cicatrizes de um vulcão.

IV.

Deitada em meu leito
meu amado me encontrou
acariciou meu rosto
sugou meus peitos, meu clitóris
e sua língua falava em nenhum
                  – e todos os idiomas
lambeu minhas entranhas
cheias de terra e espinhos
sangraram suas veias.
Já sei que não é fácil me amar
                  – eu lhe disse.
Tampouco é fácil querer-me
                 – sua voz me respondeu
e retirou a coroa,
desatou seus pés
e novamente me conheceu.

V.

Acabo de me lembrar de ti, amado meu
e corri até o bosque à tua procura
gosto do brilho de teus dentes
o excesso de pelo em teu corpo
e sua quase ausência em tua fronte
gosto da fome de tua boca
da força de tuas garras
e do cheiro de teu sêmen.
Por isto retorno sempre
para devorar teu coração.

VI.

Meu amado se foi
doente de amor estou
recordo seus amores
mais do que o vinho
recordo seus sabores
mais do que pão e trigo.
Alguém lhe diga que volte já
pois eu o busco nua
por toda a cidade.

VII.

Teus beijos não vêm, amigo meu
e as orquídeas têm ainda teu nome
apressa-te a regressar
que outros beijos poderiam apagá-lo
embora eu não queira
Ainda chove fogo sobre Bagdá.

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