Curadoria e tradução de Floriano Martins
Mariana Berenice Bredow Vargas, nasceu em La Paz, 1980, em uma família de artistas de teatro. Suas avós, sua mãe e seu pai, ensinaram-lhe o ofício da criação cênica, e ela nunca parou nessa busca, alimentando-a com suas próprias explorações na música através do corpo e do canto. É atriz, cantora, performer, dramaturga, diretora de teatro e fotógrafa, contista e poeta. Estudou teatro e canto lírico no Conservatório de Música de Genebra, dramaturgia e encenação na Real Escola Superior de Arte Dramática de Madrid (RESAD) e é licenciada em Arte Dramática com menção em encenação pela Escola Nacional de Teatro da Universidade Católica de Santa Cruz de la Sierra (ENT). Trabalhou como atriz e depois estudou canto e teatro em Buenos Aires, com os diretores Guillermo Cacace, Cesar Brie, Silvio Lang e o músico Matías Ortola. Como atriz, trabalhou na companhia experimental de teatro de rua Teatro Con Leche, Carne de Cañón, e em Amassunu (elenco profissional do ORL) para a produção La Brújula del Chaco, dirigida por Jean Paul Wenzel, obra que em 2014 realizou uma temporada na Cartoucherie de Paris, a convite de Arianne Mnouchkine, e percorreu diversos teatros na Europa. Em 2016, ganhou o prêmio de melhor atriz no Prêmio Nacional de Teatro Peter Travesí Canedo por sua interpretação do monólogo No Yo, de Samuel Beckett. Em 2021 fez um curso de Escrita Criativa na Universidade Privada de Santa Cruz (UPSA) onde teve como professores o poeta Gabriel Chávez Casasola, e a contadora de histórias Magela Baudoin, artistas generosos que o ajudaram a fortalecer, compreender e mostrar seus passos, até então escondidos, por via da escrita. Hoje Mariana sonda as relações do canto com a criação espontânea, a poesia e o teatro.
PASSARINHO DE PALHA
Alguém com dedos pequenos
teceu as asas e o bico
fios secos
longos
atados com calma
para que sejam plumas
e um palito
amarrado às patas
não vai voar
não vai cantar
não vai migrar
do ar nada sabe
apenas uma vaga lembrança
de seus talos quando bebiam
Alguma vez foram verdes?
A palha, alguma vez foi verde?
Como foi que acabou imóvel
pendida de uma lâmpada?
Ao posar sobre meus dedos
ao limpar-se a cauda de tanta viagem
estala
como pequeno fogo dormido
como sede de planta
e me olha
como olham as coisas quando as vemos
e indaga
pelo voo do tempo
porém o que posso lhe dizer?
se há pouco tenho sido animal
apenas carne
ossos
espera-me
sabe
que nos veremos sabendo
quando meus talos sequem
ainda me faltam tantas mortes
para saber do vento
POÉTICA
eu voltei para a casa velha
para buscar meus primeiros poemas
uma mala cheia de folhas secas
pele morta arrancada
do rosto de uma menina
que não pode ser vista
e aqui estou
papel chorado diante de meus olhos secos
em um tempo que já não recordo
e quase não mais existe
quase
porque ainda está
mantido nesses vestígios de umidade
por trás dessas palavras
as lágrimas
e mesmo atrás
uma jovem escreve para mim
que hoje volto a indagar quem sou
ela sabia que viria
eu a conheço
para recolher suas águas
quero vê-la, quero ser ela
porém já não a entendo
as letras se desvanecem em emoções alheias
sua ira em ternura
esqueci a linguagem do precipício
então me rendo
apago os olhos para ver com meus dedos
e entendo…
a força das mãos gastando a tinta
o peso de cada letra na dança essencial
no eco sagrado das costelas
e o grito que escapa da razão no ar
encontrando seu corpo de coisa
não olha mais
ou indaga por que ou como
não tem tempo
não corrige ou busca beleza
não sabe o que é isso não importa
não quer saber o que quer
apenas abre a torneira e deixa fluir
é o bastante
para que hoje
uma mulher insegura
recorde o que sempre soube
A BELEZA
sou
a beleza
confesso, senhores, sou
a beleza que caminha
com insistência de grama florida
nas fendas do chão
nos jardins abandonados
das casas mais tristes
choro
com os pássaros
ou quase silencioso
segurando o mundo
com a ponta afiada das gotas de chuva
cuido
de dar vento às sementes
sem murchar as folhas
balançar a água
e que respirem os peixes
e os caracóis se encontrem
rasgo
as asas da aurora
para infiltrar-me em olhos humanos
polvilhar seu pensamento
blindado de palavras que não entendo
espanto
gelando seu cabelo
e mal conheço seus sonhos
somente nas crianças posso
aninhar minhas pétalas
por isso celebro
a rara ocasião
ser frescura na saliva
poema
que me permita dizer
que sou
a beleza
dizer-lhes, senhores
o que me faz nascer
e me traz de volta à canção do tempo
estrela extinta
que ainda brilha
eu rio
e me enterneço
com seus olhos para o céu paciente
a luz me abre
me faz vibrar
me fertiliza
todas as células da terra
Hermosa Mar!
Agradezco infinitamente por la publicación y por tan hermosa traducción de Floriano Martins. Es una gran alegría ser parte del Atlas Lírico de América Hispánica, al lado de tan maravillosos poetas.
¡Gracias Revista Acróbata!!!