Curadoria e tradução de Gladys Mendía
Mónica Velásquez Guzmán (La Paz, 1972). Poeta e crítica literária. Publicou as coleções de poemas Tres nombres para un lugar (1995); Fronteras de doble filo (1998); El viento de los náufragos (2005); Hija de Medea e La sed donde bebes (2011). Além disso, os livros de ensaio literário Múltiples voces en la poesía de Francisco Hernández, Blanca Wiethüchter y Raúl Zurita (México, 2009) e Demoniaco afán. Lecturas de poesía latinoamericana (2010).
[SEU GÊMEO ESTÁ EM UM DEUS]
Seu gêmeo está em um deus que você não vê
em um amor que você deixou esquecido
nas opções
em outra forma de viver
em tudo o que você cala
seu gêmeo canta desde sua infância
cuida de você como do mais solitário de seus filhos
segue seus passos
e recolhe diariamente o que resta da sua sombra
sabe suas transformações
não se parece com você mesmo com a mesma cara
seu gêmeo é o que você quer
o que você poderia ser
o que você deixou de ser
seu gêmeo dorme ao seu lado sem dizer palavra
seu nome é o nome que você dará ao seu filho
sem saber que o convoca
que também segue seus passos
entregando-se sem restrições
às almas de lâmina dupla
POSSIBILIDADE 1
Hoje eu gostaria, Mônica, de te deixar doente por muito tempo, mortalmente,
te afastar do mundo, convalescente:
distanciar do corpo seu choro, seu suor solitário
de modo que tudo fique, agora sim, bem vazio
e ser um deserto rancoroso decidido a envenenar-se de sede.
Quero hoje quebrar um osso imprescindível
espalhar as farpas da estrutura fundamental
que você implore ajuda e estenda as mãos largas
e não tenha passos nem pés para dar.
Quero uma úlcera que conte de sua fúria
músculos desajeitados pedindo gritos
abraços que não virão
epilepsias que transparentem sua confusão
sua dificuldade de se conter
insônia eterna para te salvar dos sonhos
que anunciam quando alguém vai morrer.
Nenhum consolo, isso eu quero te dar,
para tornar visível sua necessidade de outro
para que te vejam sofrer, se partir em pedaços e saibam
e te sepultem, te chorem, te perdoem
mesmo que ninguém seja salvo por sua morte,
o vento leve seu nome, tudo seja quase igual.
Há peso demais em sua sombra
e eu quero te curar, devagar, com minha saliva…
Quero restabelecer o equilíbrio ainda sem par
murmurar que não é preciso,
que não é preciso morrer assim.
SUL DESAPARECIDO
2.
Gostaria de desatar o nó de chumbo
que trago na garganta
e chorar longo
a recente saudade que tenho de você,
comer a fome enorme
de seu corpo agora de terra
e me render à urgência de te amar de outro modo.
Você deveria ver como o vinho se enredou com a tristeza
sua morte com a espera
seu corpo com meu espírito de pó
sua alma e meu efêmero afã de vida.
Ninguém me disse que sua morte
(voo silencioso alvoroçado)
viria assim:
nos devolvendo a nossa.
10.
Neste sonho só há ruídos.
Botas correndo escadas acima.
Portas, portas
uma mão que aperta outra, a fere
gavetas, papéis, pratos, tudo quebrado
contra o chão, contra a parede, contra outro corpo.
Gemidos, gemidos, gemidos,
um osso, dor, algo quebrado.
Respiram ofegantes, batem na parede, batem chaves
sussurram ânimos,
mas um corpo cai após outro
e outro após outro
e assim, não se pode acordar.
13.
A mão que escrevia
que às vezes distribuía papelinhos
queria um filho porque não tinha mais tempo,
arranhou o nada entre as perguntas
empurrou o ombro amado dizendo corra,
foi desconhecida pelos amigos
nos corredores do horror,
a que algemada cura a outra, dá carinho
a que desfolhava seus dedos para contar os meses
está aramada.
Rota de mim
esperando seu corpo
no fundo do mar.