3 Poemas de Paola Cadena Pardo (Colômbia, 1983)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Surpreendente talvez seja o adjetivo que mais nos aproxima da poesia de Paola Cadena, mas não porque é incrível ou inesperada, mas porque é surpreendente, admirável. Não falemos então de beleza, manto diáfano que cobre todo este livro. Vamos falar sobre como entrar em um mundo que deixa nossos olhos sempre abertos. Que forma de luz e sombra passa por esses versos, passa por eles? Como ela, que canta, pode inverter as palavras para que andemos dentro de si?

O feitiço é que ela nos pega pela mão e nos convida a entrar na morada de seus fantasmas, aqueles seres que são seus, mas que anseia compartilhar conosco: solidão, ausência, nudez, esquecimento, memória, silêncio, dor, escuridão, sono… Todos eles em uma conflagração sem alarde, onde a luta é quase completa. Profundidade imensa no sentido de existência. Viva com o coração aberto.

Encontramos uma força estranha na poesia de Paola Cadena, que nos deixa com um sentimento do pessoal, da intimidade daquela falante lírica que se torna tão próxima de nós, tão típica dela, mas que também sentimos nossa. Prova confiável da alta qualidade da poesia, de seu distanciamento, de sua entrega.

Insuperável em harmonia é a bela e profunda voz de Leonard Cohen, que nos acompanha ao longo do livro. Em seu compasso, a voz poética de Paola Cadena é como um sussurro, quase como quem fala ao nosso ouvido. Há tanto silêncio e medo de quebrá-lo ao longo do livro: Eu era uma mulher silenciosa, confessa.

Apartamento 4 é um livro de espaços, atemporal. Chegar à casa nova / é despojar uma porta do seu vazio sonoro, nos diz. Aqui está a poesia.

ARMANDO ROMERO


CASO DE MÚSICA E SILÊNCIO

Não sei muito bem como se chama essa sombra,
suponho que seja bailarina
porque se move como uma ausência e tem luz,
ou seja:
uma ausência sonora, uma penumbra nua,
o vaivém da música como um tremor de Deus,
a suspeite de uma cena que existiu apenas em meus olhos,
porém existiu,
juro.

E vi sair a vida inteira de meu tapete
como um morto que se erguesse para beijar suas flores.
Não tenho um cemitério neste quarto
porém a vida, como um defunto, se pôs de pé
e eu já não sei que nome lhe dar.

Esta mulher nua que eu sou, sobre minha cama,
solidão de um hálito feito de tabaco
e a música, que se afundou no ar e na chuva
para se molhar, para ser canção úmida e distante
foi este o seu acontecimento.
nada mais transcendente do que uma rotina única,
essas coisas que passam quando o mundo se esquece
e o sangue se torna líquido transparente
e os navios de Deus, que tampouco se chama Deus, colonizam os olhos.
Essas coisas que passam e que não posso dizer,
não sei como se chamam,
nada do que escrevo se assemelha a elas,
é isso, isso está aí!
uma lâmpada apagada, uma canção,
uma noite sem destino ou convidados,
esse fogo no peito como uma verdade,
algo meu.

Quis apenas dizer que a música está no ar,
como Deus,
que Cohen canta e em sua voz
há uma cor e um tíbio suor.


ALGO SOA COMO UM TIMBRE

Como dói recordar que a morte existe.

Às vezes,
em meio aos dias normais, algo soa como um timbre,
algo que nos recorda
a iniludível possibilidade de estar mortos.
Devolve à terra o aroma dos que já foram,
seu antigo hábito de respirar, sua já impossível forma de abrir os olhos.

Não sei por que morremos, se nascemos para estar vivos
e tardarmos décadas em aprender a fazê-lo.
É pesaroso saber-se finito e saber que todos, um dia
terão que renunciar.
Uma caixa de madeira como último presente,
a casca do que é nada, do que foi sino e cintura,
vitrine pouco a pouco desmoronada pela sinfonia das horas.

Recordo que minha avó sabia rir, sabia de lírios
e crianças que ainda não aprendiam a rezar despertos.
Ela sabia chorar, bem me lembro
porém às vezes esqueço, sem saber o motivo, como soava seu estar vivo.

Os mortos podem ir, porém não seus ruídos!
Não a cor de suas pupilas acesas, de suas tardes pulsadas pelo vento.
Quisera eu recordar como soava minha avó, porém me escapa
esse hábito de escutar em silêncio.
Mesmo que em dias normais, às vezes,
soe algo como um timbre.


COMO O FRIO

Por que às vezes faz, como o frio,
tanto silêncio?
Eu busco na janela algum ruído pequeníssimo,
alguma vibração imprevista que indique maus sonhos,
ao menos uma sirene, isso soa,
porém a ambulância não é minha,
esta doença não tem urgências.
Tanto silêncio e tanta água que colapsa,
esse trem que não existe mais do que como arpejo,
música de madrugada que ninguém compôs.

Por que faz às vezes, como o frio,
tanto silêncio?
E se canto
nada é remediado,
o silêncio é o mesmo, o próprio,
porque está feito de caranguejos que são devolvidos à minha boca.
Tenho silêncio ao invés de frio,
porém o tremor das mãos
permanece intacto.

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