3 Poemas de Pedro López Adorno (Porto Rico, 1954)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Provocar que os leitores se comovam diante do aturdimento do inédito. Provocar que leiam absortos e sem pressa. Provocar-lhes deleite, êxtase, paixão.

Meditação e risco. Longe do superficial ou puramente decorativo, por mais tentador que pareça. Simulacro de perfeição diante das formas. Desafio à tradição e ao tradicional. Busca, busca, busca. Mergulho do invisível no carnal sem concessão alguma. Fiação de fragmentos de imagens até o rapto contínuo.

Toda essa formulação de associações, tecidos, enlaces, fendas, confins, correntes e registros vai povoando o lenço da página em branco com suas respectivas capas de cor, precisão, intensidade, ternura.

Não cabe corrupção se cada poema é o emblema da vida em si. A tinta não sucumbe, o poema é arte de cinzas.

PEDRO LÓPEZ ADORNO
“Poética”


GLOSA DE IDENTIDADE

Todo o mistério ancora em tua coluna vertebral.
Inaugura comovente caçada.

Escrevo sombras de luz. Teu cabelo
seja cadeia de cada espuma e cálculo e adjacência
de extinção. Que de algum modo
terás que te parecer com a raiz
que vai pactuar com teus mamilos.

Que em tua transgressão o furacão corrija
A minha vocação de excesso e ao nadar
te ergas pela vela que alcançou a névoa
do espelho em ruínas.

Velhaco cuja viagem é por mar
com seu escândalo barulhento no céu.


TUA ARCA DESMESURA

Escrever tua arca desmesura desvia o desconsolo da chuva. Essas inclemências dos crepúsculos que pressagiam rachaduras. Poderias lustrá-la como uma égide se o exercício for apenas bagunça ou se as palavras da tribo resultem prósperos desprezos.

Tua arca. Labirinto esculpido libérrimo. Quem terá
o poder ou lucidez de rachar tua arca intuitiva nuvem
através do céu e temperar o templo das ações?

Seja compassivo com quem queira se passar por copista. Ele não poderá decifrar a insubmissão ou usurpar a profundidade da beleza.


A CEGA INSSURREIÇÃO

Eles acreditavam que suas vidas eram cápsulas
de tempo
que ao afundar nas águas
do prazer batizado
sombras do paraíso viriam para libertá-los
do confinamento.

Agora, a façanha de sobreviver a ausências
vai tatuando pegadas nos galhos
um rumor de pó entre as pálpebras
um tecido de luz
os lábios incendiados.

Se pousassem com a esperança de encontrar
seu esquecimento
além dessas rochas do que na costa
inventam paisagem líquida
paixão, amor e morte voltariam
para calcinar a libação indefinida.

Quanto tocam se dispersa. Fragmentos
que o ar processa. Cinzas
em direção ao livre arbítrio de encalhar
em outros corpos.

Se a cega insurreição dos amantes
foi a sua cópula

como descrever então
a imolação do sagrado?

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