Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía
Lucy Cristina Chau (Panamá, 1971). Recebeu o Prêmio Centro-Americano de Literatura Rogelio Sinán 2009-2010, o Prêmio Ricardo Miró 2008 e o Prêmio Nacional de Poesia Jovem Gustavo Batista Cedeño em 2006.
TANTO
meu canto está comigo
não tenho solidão.
Silvio Rodríguez
Fomos tão uma única pele
que cheguei a sentir dor em tuas feridas.
Fomos tão uma única forma
que não me reconheço no espelho.
Tua risada e a minha se acoplaram tanto
que sem a tua
ninguém pôde nos entender.
E eu, que tanto gozei em teu leito
já não encontro prazer no desejo
Porque tão, tanto e tanto e tão e tanto
não posso inventar
senão em teu corpo.
A NEGRA
Há uma negra atrás dos meus anos
que move meus quadris quando danço.
Há um feitiço que sucumbe aos meus olhos:
a magia da ilha e do continente.
Rendo-me com meu cabelo encaracolado,
não dou voltas aos meus lábios carnudos.
Qualquer tipo de tambor me põe o toque
eu respondo com aromas diferentes.
Deusa, cumbia, samba, mambo,
não tem nome todo o ashé que acende.
Aqui chegou minha mãe dizendo que era branca,
e ninguém acreditou quando nasceu a negra.
A NOITE
Tu não sabes o que é a noite, Niko,
até quando anunciam que não passarão a luta do Kid Wilson,
e teu pai não sabe o que fazer com suas cervejas geladas
e é então, Niko, que tudo escurece;
é então que o silêncio te penetra e se aloja em teu lado sorridente,
é então que chegas a pensar no medo
como um estranho que chega e se senta em tua cama.
E tu, Niko, pensando o diferente daquela alvorada
com a lembrança do Kid Wilson dentro de seu roupão,
dando passinhos de dança
enquanto seus punhos cortavam o ar a golpes.
Tu, imaginando a festa de um nocaute, Niko,
deixando-se abraçar por teu pai
como um bom amigo que celebra outra coisa, Niko,
que celebra a coisa mais grande,
mais bela, mais linda;
e ao mesmo tempo sabes que Kid Wilson és tu,
é teu pai no dia do teu parto,
e choras,
choras como no dia em que nasceste,
porque não sabes quem é Kid Wilson
nem sua mãe
nem a mãe de sua mãe,
mas te agarras, Niko,
porque é o único modo
de não carregar o peso da noite.
NOTICIÁRIO
Aquela voz
que nunca teve medo
hoje conta minhas tragédias
em termos de danos materiais,
por isso me dão lençóis novos
e um colchão
onde não estão teus suores,
nem meus sonhos.