4 Poemas de Yuleisy Cruz Lezcano (Cuba, 1973)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Yuleisy Cruz Lezcano (Cuba, 1973). A poeta emigrou para Itália aos 18 anos, estudou na Universidade de Bolonha e obteve a licenciatura em “Ciências de Enfermagem e Obstetrícia”, bem como uma segunda licenciatura em “Ciências Biológicas”. Atua na saúde pública. Nas horas vagas adora se dedicar a escrever poemas, contos, assim como à pintura e à escultura. Entre seus livros estão: Diario di una ipocrita (2014), Piccoli fermioni d’amore (2015), Fotogrammi di confine (2017), Demamah: il signore del deserto (2019) e o recente Doble acento para un naufragio (2023). A sua poesia está presente em diversas antologias e revistas, tanto italianas como internacionais, e foi traduzida para diversas línguas. É membro honorário do Festival Internacional de Poesia de Tozeur, na Tunísia. Realizou oficinas introdutórias de poesia no Ensino Primário.


OUTONO

Estou abrindo um buraco
com cheiro de terra molhada,
quero enterrar com os desejos da fada
as flores e folhas caídas.
Com as mãos procuro a vida
e um ninho vazio
se derrete ao meu toque.
Uma gota de orvalho
está costurado em meus dedos,
órfã, sem a menor atenção,
cai na miserável condição
de não encontrar uma flor
que chame por ela em sua quimera.
E eu, sonhando com a primavera,
lhe dou sepultura a seus pertences
e consolo as figuras da ausência,
contando-lhe a história da rosa
que vive na borboleta
a chama da espera.


LESMA

Terra, casa, grama, céu,
a lesma tem tudo
viver o momento
de uma faísca atônita,
em um relâmpago que passa.
A lesma usa lentamente
o caminho que deixa outra marca,
e se perde olhando uma estrela
ou nos espelhos de brisas
que brincam com o seu sorriso.


A CAÇA

A caça apaga a música do mundo,
alimenta fantasmas magérrimos
e mancha de vermelho o bestiário das nuvens
que respiram entre o bulício das trevas.
A caça instiga e o cão atroz
que corre atrás do pássaro assustado,
que assediado,
nas pausas de sua respiração indefinida,
sabe que sua vida vale pouco
com a dor de viver um trânsito irreal.
A caça parece uma coisa natural,
o homem se diverte por prazer
entre os ossos anônimos
de pobres criaturas,
ossos desamparados na brancura
da angustiante certeza do inevitável.
O que rasteja, o que voa, o que caminha,
o homem, com sua mão divina,
destrói e cria, tudo é vulnerável,
perto do amanhecer onde a morte
escorre de cada um de seus poros
e o absurdo se torna insuportável.


NOTA DE SILÊNCIO

A noite não é muda.
Escuto os pães amargos dos dias,
o canto do obscuro alimento
se abre em memórias que não têm vida.
Sinto o empobrecimento daquilo que não se toca,
os sonhos enlutados querem selar fissuras
em um silêncio que não cura
os gritos da mente.
Escuto os últimos trens que circulam
e sobre o presente
voam pássaros extraviados,
guincham e despacham em todas as direções
o que resta de meus ossos.
Adagas famintas pressionam as entradas,
abrem meu peito duro como o diamante.
Em um mesmo instante se vive e se morre,
às vezes é apenas o corpo que fala
e a conversa que inicia,
tem sempre a mesma constante:
é vaga e insignificante.

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