Curadoria e tradução de Floriano Martins
Benjamín Chávez (Santa Cruz, 1971). Poeta, jornalista e ensaísta. Prêmio Nacional de Poesia em 2006. Livros de poesía: Prehistorias del androide (1994), Con la misma tijera (1999), Santo sin devoción (2000), Y allá en lo alto un pedazo de cielo (2003), Extramuros (2004), e Pequeña librería de viejo (2007).
PAISAGEM SUBTERRÂNEA
Amassada a neve
uma ave pousa no limiar do silêncio.
O campo está vestido de luto
as estradas são desnatadas no peito.
Em uma ponte de tubulação
a imagem permanece sem sombra
de um brinquedo cuja corda é infinita.
Ela tem o meu rosto e
insiste em voltar
com os braços estendidos para o esquecimento.
Se a chuva não veio
essas gotas incessantes a atendem muito bem.
Ausência sentida é a das árvores,
nesta geografia distorcida
onde o fruto mais sereno
é o ruído da água corrente
e do pedaço de papel
prisioneiro de um rato.
ADEUS CAPITÃO
Esboças um adeus de prata e pólvora
ao embarcar às cegas
dono de uma travessia adversa
sempre
com tuas manobras lúcidas
tua bússola segura
teu rosto de fanático.
Eu também sou um capitão que sabe
de mares e embarques.
Brandimos nossas espadas diante de
marinheiros absortos
(outro ritual que alude à nossa velha enfermidade).
Bebemos sem asco da memória bem trilhada.
Uma maré de ventos distantes e recordação
nos imerge.
A hora se aproxima.
ficas assustador
teu olhar levita sobre nossas cabeças
com flashes de brilho profundo.
A névoa apertada anuncia a tua desaparição já próxima.
Do piso compartilhado
o navio não é mais visível no horizonte.
Abaixo,
dos pescadores que madrugam
um peixe nervoso escapa e pula na água
como a última mulher que deixaste
o mar crescendo no cais.
BEM-VINDO AO RITO
Aprenderemos a uivar em todos os pátios
Universo doméstico de eternidade ou morte.
Não, não evoques o prado primitivo de tua cama
Assume este mistério transparente
Desde o umbral dos negócios secretos
Dispararemos contra os relógios como nossos pais?
Melhor ainda
Derrubemos as torres das igrejas
Vamos! Que as horas não passem
As tesouras cortaram a tua roupa
Este rito infinito
Arrancará gritos dos espelhos mudos
– Vários habitantes do abismo –
A fumaça suprirá
O ouro
O mel
Qualquer rasgo de futuras lembranças?
Soma-te à noite de sinais
Jamais serás a mesma.
MITOS DO CLAUSTRO
Presa,
estacionada no pior lugar.
Suspensa no momento mais adverso
aqui mesmo
para nós
simples amigos circunstanciais
caminhando pela rua
profundos mitos do claustro
peso desmedido
no quintal esquecido do mundo,
refundar a vida
no quintal esquecido do mundo,
em uma caixa mofada imaginária
a máscara bronzeada sorri
desde a sua meia légua de língua
fevereiro anoitecido nas portas
da virgem da cantilla
para provar
em meio a chamas ardentes
que o fogo da madrugada não arde tanto
como bronzes temperados
para a casca da alma.
UMA VELHA CANÇÃO
Vendo passar o rio
qualquer rio
dizem, vemos passar o tempo.
Vês?
por exemplo neste
que passa turvo abaixo de nós
os de sempre, os de nunca?
Apoiado na varanda do convés
olho e compreendo
a velha metáfora
e vislumbro aquela outra
de todos os rios no mesmo.
Tomo um trago
e procuro na costa
esse casal tingido de ocaso.
Imagino-os donos da selva
inventando futuros tão graciosos quanto a água.
Mais que água, penso, meu rio,
aquele que herdei
arrasta palavras,
sereias que se cruzam,
ruído dos marinheiros,
canções
e
um naufrágio amoroso
em que me reconheço.
Tomo outro trago e
sussurro para a lua já alta:
nas praias desertas de Beni…