5 Poemas de Edgar Pou (Paraguai, 1969-2023)

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Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía

Edgar Pou – pseudônimo do poeta, editor e agitador cultural Edgardo Cazal Figueredo (Canindeyú, 1969-Assunção, 2023)– é conhecido no circuito literário alternativo por livros como O Quinielero Patafísico, Pombero Tamaguxi, Hambúrguer de Moñai ou Besacavalos. Marcou a ritmo das letras e das ruas do Paraguai com a música de “Stronito meu”, “Mascarão de proa” ou “Os três desejos do menino Pou”, para citar ao acaso apenas alguns de seus poemas mais impactantes. Introduziu, com um pequeno grupo de amigos e poetas underground, o movimento cartonero em Assunção, que importaram de Buenos Aires, e realizou em 2011 a primeira e única Feira do Livro Kartonero do Mercosul. É um dos autores incluídos em Os chongos de Roa Bastos (2011), a primeira antologia de narrativa paraguaia publicada na Argentina. Editou mais de cem escritores como membro da equipe da Felicita Cartonera, deu oficinas de escrita criativa e edição e montagem de livros artesanais nos bairros populares e nas prisões do Paraguai, deixou Assunção para viver no assentamento Gaspar Rodríguez de Francia, em Itauguá, lançou o CD Guatapu: Vozes Poéticas da América Latina (2016) “sem apoio de fundos econômicos terrestres”, e com seus filhos Xavier e Barchi, também escritores, iniciou em 2017 o projeto editorial independente Avagatá Kartonera, que continua crescendo até hoje.


REFÉNS SEM TARÔ

os segundos, minutos, horas daquele dia
que virá como se foi
cavalo louco de olhos abertos ao fogo
ou fechados de infinita paciência
os pratos onde o verde come chuva
devo me lançar como moeda,
nu e manuseado
ainda que brilhante como sorrisos de orcas
talvez seja a iminência do sangue em flor
que chama ou flameja esquivando karmas ou desatinos
nessa ponta iguana da língua da água
girada remoinho
intacta por invisível
desperta por distante
ou seja, tua voz
que me alcança.


MASCARÃO DE PROA

Suspeito que tua pele tem algo a ver
com a escuridão que nos invade
agora quando nos estoura o sono
não vou comparar tua boca com uma goiaba bicada
inalcançável teu sangue
não direi MOMBYRY
como de pálido fogo
é o canto do yerutí
na sesta
não devo ofegar
teu nome secreto
sob manchas do entardecer
como se meu nu tremor
não bastasse
como se o kirití
não doesse
como se avavé me chamasse
como o naikatui
como o sibilar ñacundá
como o sigilo cego do mitamí
pequeno topo kafkiano
nos recônditos da cebola
buscando decifrar tua ausência
para uma diáspora de lágrimas de cozinha
quisera decidir
o ponto exato onde dizer égua orvalho
golpe acocorado a moeda ao ar o destino de Ballantrae
ou a alma de Akaki Akakievich aprisionada em um capote
ou fugazmente escampar a sede da paisagem
dos teus lábios presos em uma canção de Nick Drake
piscar como o Dandy afastando-se agitado
numa capa de pele mbopí
deveria dizer simplesmente PÚRPURA
e que apareçam os caninos
de um poema de Madame Ratt
o estalido da galáxia espuma:
a antiga raiva do mar….


A MOÇA BEBENDO NÉVOA

nem tudo que é frágil é alarmante
como o grilo scracht
que se contrai sobre os pratos negros
quando uma boca se abre
ou uma ferida se fecha
o olhar se fende
a mentira das flores
a errância do vento
por sulcos concêntricos
o beijo que se enruga
como um origami ressequido
brinquemos com a insensatez do sangue
o som como desejo
exceto a astúcia do perdão
tudo te será permitido.


L S D

Se eu inventar a inveja, sinto cócegas no nariz pela tua ausência
se lentamente nos faltasse desejo (toureiro alucinógeno)
quem abrirá a porta para ir fumar?
o arroz tumefacto
pouparíamos saliva para desprezar
os ossos rosados do flamingo à deriva
a cauda de vidro opaco
do gato com leite que apaga o crepúsculo da xícara sem fundo
essa pressa pálida
ou corta a garganta andada pelo sonho pestanejado da fechadura gaga
que não abre o trinco muco azul cobalto frenesi
sim sim sim
bim bam bum o teu cóccix
triki traka a tua costela
baby baby mitakuña mutante
um deus emprestado
me protege sob a abrigo dos teus pelinhos
olha que glândula supurante
cof cof desfaleço como uma enguia
entre as tuas coxas de rotação lenta
busco o amuleto furioso e a destruir
as tangerinas orgulhosas
do teu umbigo vinil aquoso
de repente sem diamantes…


OS INQUILINOS DA TAPIOCA

não me peças paz ciência
vou mostrar-te a arte do ñahatì
estou tão febril que digo fato por febre
ou vou surfar por esse loop tatatì
é preciso ser um inseto vagamente como luz
falar o veneno verde
saber manusear a melancia
retirar a arraia
colocar a mosca, torcer a anteninha do tukù e: saltar

estou que sorve que te roe
a unha esperta do tukà
estou polindo que arranha esse elmo âmbar vinho tinto
da màtix
outro cantará pequenas canções
ou ajeitará a fralda das andorinhas de adolf becquer
eu não estou aí para as pipocas da nostalgia
o grande puxa prevenido para o poeta de turno
deve haver

havia presunto para todo paladar para sempre
eu não sei
eu quero mastigar flores
sofro ao pensar que o destino
pode estagnar-se em um vaso
sofreremos de cócoras então como um pombero
eu não quero dinheiro mórmon constipado
surpresinha velho-carvalho de espirro
este mabo tejuruguai pode apagar a linha do seu traseiro
eu não quero luz só bebo pus
eu não quero talco eu não quero sal
eu não sonho
eu não tenho plano
eu não quero ser pego pelo presidente fulano de tal
só assopro
no nariz do iguana
chupo o mamilo de uma rã
tenho um milhão de abelhas na braguilha
farei explodir meu sêmen como picada
urucù estrangulado é o que quero beber
eu não posso encestar eu sei assinar
eu quero espuma e não buscapé
nem esse dardo nem farta eloquência
eu não quero poder só quero primas
ela arekò la kunuù
ela arekò la kurundù
ela gregório, ela a taravè passageira………

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