Curadoria e tradução de Floriano Martins
Yuleisy Cruz Lezcano. Poeta, nascido em Cuba em 13 de março de 1973, mora em Marzabotto (Bolonha, Itália), emigrou aos 18 anos. Estudou na Universidade de Bolonha. A sua poética inspira-se tanto na literatura europeia (Rimbaud, Baudelaire, John Keats, H. Hesse, F. Pessoa, G. D’Annunzio, E. Montale, G. Gozzano, P. Salinas…) como na poética americana e latino-americana (Edgar Lee, Walt Whitman, Rubén Darío, Julio Cortázar, Alejandra Pizarnik…). Entre seus livros: Sensi da sfogliare (2014), Soffio di anime erranti (2017), Inventario delle cose perdute (2018), Demamah: il signore del deserto (2019), e L’infanzia dell’erba (2021).
A VIDA ESTÁ LÁ
O tempo flutua
dentro do velho trem do leite
velhos trilhos cinquenta anos,
a viagem parece um caso único
e desesperado.
Paisagem lenta, janela lenta,
um verme vai mais rápido
nas patas de um pássaro.
Mas a vida está lá
na estação de chegada,
terra após um naufrágio,
cruzes que cortam cidades
tocadas pelo sol.
A vida está lá
no amor distante,
na viagem que faço com os olhos,
perdida no olhar
das árvores que sonham
com a distância lenta
de meus imensos olhos perdidos
na respiração lenta da paisagem.
DESEJO
Quero adotar um cão
para passear por esta cidade inerte
para evitar me confundir
com a multidão que não sabe
ser multidão.
Quero adotar um cão
que seja só meu
para não ser de ninguém
de raça alguma,
de nenhum dono,
um bastardo como eu
para ladrar nas sombras.
Quero adotar um cão
para me ver com ele
na sombra da ponte
para decifrar meu norte
quando ele abana a cauda
e flutuar com o vento
e todas as suas correntes.
NO RECANTO
No recanto
onde morre a poeira
e uma migalha de mim,
me desfiz do disfarce
e o que estava escondido atrás
já não tem mais medo.
LEITURAS INTERIORES
Meu coração pesa
porém os sentimentos que conheço
são leves,
aprendi a preencher o tempo
com palavras de vida
palavras que guardo
como cerejas sob o espírito
para comê-los durante o inverno
quando a terra
sob os pés
se deita
e eu chego ao fundo de tudo
até as raízes
que me recolhem em mim
como uma casa
quando há perigo lá fora.
NÁUFRAGA DE ÁGUAS IMPURAS
Um dia, nesta hora exata de meu sangue,
eu me encontro como um estranho por dentro,
vejo-me chegando como se outro se aproximasse,
caminho sobre minha sombra que alcança
minha brancura veloz, minha morte sem voz,
meus ossos tecidos por uma pequena célula.
Eu me encontro na sepultura que sonha
junto com essa mosca grávida que pinta
a propagação da vida e da tinta
dos ossos sensitivos
que veem os mortos chegando
para a reunião inquieta dos vivos.
Demais!!!