Curadoria de Floriano Martins
Tradução de Gladys Mendía
Malú Urriola (Santiago, Chile, 1967-2023). Publicou: Piedras rodantes (1988); Dame tu sucio amor (1994); Hija de perra (1998, reeditado em 2009 na Venezuela e em 2010 na Argentina); Nada (2003); Bracea (2007); La luz que me ciega, em coautoria com a fotógrafa Paz Errázuriz (2010); Las estrellas de Chile para ti (Antologia, 2015). Recebeu distinções por sua poesia, como o Prêmio Pablo Neruda, concedido pela Fundação Pablo Neruda, por sua trajetória poética, em 2006. Bolsa da John Simon Guggenheim Memorial Foundation, Creative Arts Poetry 2009.
[UM POETA RECITOU EM SEU OUVIDO]
Um poeta recitou em seu ouvido que a palavra vazio era ele.
Enunciou a primeira pessoa, eu, em vez das palavras mar, peixes, voo… céu… outro, vazio, aikú, larismo, barroco, e um mar de coisas que existem onde nada ainda existe.
O que foi amado retorna e o que deixou de ser amado é lembrado, como um cachorro lambe a cicatriz mesmo com o passar dos anos.
Recordas como um tetraplégico cada uma das noites que amaste.
Como animal, recordas o sabor, o perfume com que foste saciado e depois recordas a morte lambendo tua boca com seus lábios gastos.
O que diabos se sabe exatamente sobre a vida?
Tão pouco. Mas se a ama.
As borboletas são a lembrança da beleza.
VITA BREVIS… ARTE LONGIS…
Para viver, é preciso ter ossos
que não temam se transformar em pó.
[NÃO TIVE MAIS DO QUE UM CORPO]
Não tive mais do que um corpo para apostar na vida.
E de qualquer maneira, vou perdê-lo.
[UM POEMA NÃO É NEM MENOR NEM MAIOR]
Um poema não é nem menor nem maior do que um planeta.
Um planeta que aparece e desaparece
assim como as coisas que viajam
em direção ao vazio.
Se você acredita que é mais do que pó,
é apenas uma questão de tempo.
[QUANDO SE ESCREVE]
Quando se escreve, sabe-se que se está em viagem, que não se permanecerá
muito tempo em nenhum lugar com as mesmas pessoas.
Quando se escreve, sabe-se que a vida será solitária tantas vezes quanto
o caminho quiser.
Quando se escreve, sabe-se que um dia, se deixará de escrever.
Então as palavras terão o significado do pólen.
[COMO QUANDO OS RIOS SECAM E A TRISTEZA ESCORRE]
Como quando os rios secam e a tristeza escorre e racha as pedras que ficam tão distantes umas das outras.
Continuo escrevendo coisas que ficarão amarelas, abro os olhos e a vida continua bárbara, medieval, bela e passageira.
Lá onde as águas cantavam, as serras cortam o que não voltará a crescer. E a sede? O que faremos com a sede?
[NÃO VOLTAREI MAIS]
Não voltarei mais, mas não deixes os cílios caírem como a cortina de uma
ferragem do bairro.
Não tenho mais do que um silêncio de neve.
Já não espero por nada que não seja eu.
Eu é um jeito de dizer que fui -alguma vez- minha própria gaiola e meu próprio céu.