Vanessa Droz (Porto Rico, 1952)

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Curadoria e tradução de Floriano Martins

Minha admiração vai para os grandes mestres: Rosario Castellanos, Olga Orozco, Borges, Vallejo, Huidobro, Darío, Palés Matos e os poetas do grupo mexicano Contemporáneos (Gorostiza, Villaurrutia, Sabines etc.). Mais tarde: José Carlos Becerra, Roberto Juarroz. Minhas afinidades estéticas são com poetas para os quais a prioridade é a linguagem, o nível de construção do verso, a estrofe, o poema como mundo; isto é, como uma esfera?

[…]
O nível de qualidade. Exemplo: Luis Palés Matos (1889-1959), poeta da mesma estatura, ao longo de toda a sua poesia, como outros professores hispano-americanos. Além disso, foi o primeiro no Caribe e na América Latina a incorporar o tema negroide e as palavras afro-caribenhas em uma produção poética incomparável.

Devido à sua condição colonial, Porto Rico não possui embaixadas ou outras organizações que promovam a produção cultural do país no exterior em todos os níveis. Acrescente-se a isso a percepção equivocada, até mesmo de amigos escritores de outras partes do hemisfério, de que em Porto Rico estamos ofendidos e que falamos inglês. No caso da poesia, aquela produzida em nosso país por alguns poetas, mulheres e homens, é excelente, poderosa e nada tem que invejar a de outros países latino-americanos amplamente publicada e comercializada.

[…]
As barreiras mentais e limites que nós mesmos criamos e aqueles que, por serem repetidos por certos poderes, acabamos por acreditar. Um mar, um oceano, um ar, uma cordilheira não devem ser obstáculos de comunicação, mas caminhos de conexão.
Também o controle de certos egos: a falta de generosidade daqueles que, tendo atingido um determinado nível de poder, o racionam em seu próprio benefício ao invés de conceber projetos culturais desinteressados de maior alcance.

Em primeira e última instância: falta de visão, tendo minúsculas cabeças.

E tudo isso é inconcebível nos tempos da Internet e da aldeia global.

VANESSA DROZ
“Defesa da poesia”, Projeto Editorial Banda Hispânica, 2009.


MAJESTADE NEGRA

O rei africano passeia pelo barco.
Percorre de proa a popa, de popa a proa
e revisa que tudo esteja bem entre sua gente.
De vez em quando observa o horizonte
para prevenir desgraças, que no Mar Caribe
são autênticas e audaciosas:
                um imprevisto mal tempo,
                ondas bíblicas,
                demasiados tubarões à flor da água,
                a debandada das estrelas.
Conserva os traços de seus antepassados;
A pele reluzente como a obsidiana,
a estatura dos deuses,
as costas altas de um cocheiro,
as omoplatas móveis do guepardo
e as pernas longas do caçador.
E tudo isto em proporção tão perfeita
que ele parece uma deidade em si mesma
diante da qual deveríamos nos ajoelhar.
Completam o retrato a forma perfeita do crâneo
– facilmente admirável à distância
pois refulge com a reverberação das luzes –
e o passo sereno e urgente, chumbado,
do qual está acostumado a mandar.

Olho este homem, belo como uma aparição,
e trato de decifrar o que a roupa oculta
– as marcas decorativas pela agulha de bambu,
                as cicatrizes de batalhas remotas,
                                as de batalhas recentes,
                                                    sua fortaleza viril –.
Trato de adivinhar de qual de todas as tribos
são seus trejeitos,
de qual de todos os reinos as suas palavras,
Serra Leoa ou Cabo Verde,
Libéria ou Calabar, se embarcou em Elmina
ou na foz do rio Congo,
se tem sangue fulani ou jelofe,
                se fala mbundu ou maku/á…
que fazem com que este guarda do ferry entre San Juan
e Santo Domingo ilumine tudo a seu passo
apesar das marcas cruzadas das chicotadas em suas costas;
que este barco, abarrotado de gente, soluça
e que meu coração treme.


O ANJO PERFEITO

De que sangue ausente ele se manifesta em todo seu magnífico repouso,
flácido, inerme, impedido de dirigir o repouso do mundo?
De que transbordamento terá escapado que tudo o ignora,
que ignora toda notícia?
De que mercúrio dele está pendendo a luz,
de que língua de fogo não reconhece
a lufada que pela primeira vez inicia suas rotas?
A qual torrente, a qual prodígio,
a qual queda não está assistindo?
Em sua acomodação de cego, como um verme,
sabe-se rei, embora não respire,
no eixo da ogiva que o sustenta.
Quietude tão sagrada antes ninguém viu
e um Cristo crucificado pareceria tirinha cômica
ao lado de seu jazigo com sonho,
o sistema circulatório não tem sentido sem seu afluente,
como não tem sentido um rio sem a sua mão,
e a vista não conta com futuro se não admite
esse belo anjo capaz de jogar dardos no mistério.
Antes e depois da façanha executa sua morada;
O verde do mar flui na veia,
o roxo das túnicas imperiais
se instala em uma nova borda maravilhosa
e o dourado é substância, definição, caráter e proeza.
Como um guerreiro antes e depois de sua batalha,
fascina a nudez que se veste e desveste,
as armas como dardos arremessados ao acaso sobre o corpo
o sobre o chão, também ausentes de outro sangue.
Maravilha todo o seu desnudo descanso
sobre o desnudo território da coxa de seu reino.
Tão belo ele está no perfeito descanso dos deuses perfeitos.


A CATEDRAL DANÇANTE, UM FOGO

De onde vêm as palavras? Me diz.
De que escuridão, de quais sonhos?
De que luz oculta saem minhas súplicas
para deixar-me ver toda a sua estirpe?

Por onde passa a fumaça de minhas rezas,
por onde a razão de minhas preces
se não é pelo coração, essa flama
que arma e lustra a pedra dos templos?

As palavras chegam e se ajoelham.
Seu coro robusto a tudo enaltece
nesta catedral, como um enxame.

Meu coração, em brasa, as vigia
para que inclinem todo seu globo
diante de tua presença, que as invade.

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